Pesquisa prova que álcool e água não se misturam

Da Science Beat


Os devotos do uísque escocês acompanhado de água deveriam saber que é possível que jamais consigam encontrar a mistura perfeita. Cientistas empregaram a Fonte Avançada de Luz (ALS) do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, nos Estados Unidos, para estudar os estados eletrônicos do metanol, o mais simples dos alcoóis, tanto em solução aquosa quanto isoladamente, e demonstraram que, em nível molecular, o álcool e a água não se misturam completamente.

"Ninguém jamais experimentou uma mistura microscopicamente perfeita de álcool e água", disse Jinghua Guo, cientista do projeto ALS e um dos líderes da pesquisa. "Nós descobrimos que a mistura entre álcool e água é incompleta, no nível molecular, não importa quanto tempo se espere. No entanto, a mais importante mensagem científica do nosso estudo é o fato de que estabelecemos uma ferramenta para investigar as propriedades moleculares dos líquidos e das soluções, algo que até agora vinha sendo difícil obter".

A mistura de álcool e água em uma infinidade de preparados líquidos é um hábito antigo dos amigos da bebida. Misturar vinho e água era um costume dos antigos gregos, pelo menos desde a era de Homero; de fato, os gregos acreditavam que beber vinho sem mistura causasse insanidade. Os cientistas, por motivos inteiramente diferentes, passaram as últimas quatro décadas estudando de que maneira o álcool e a água se misturam em nível molecular. Álcool dissolvido em água é uma das soluções fundamentais envolvendo dois líquidos, e está envolvida de maneira endêmica em incontáveis processos químicos e biológicos. Até agora, porém, dados experimentais sobre as propriedades moleculares que emergem dessas soluções haviam surgido primordialmente da análise da difração de nêutrons, com resultados controversos.

"Nosso conhecimento sobre a geometria e a estrutura eletrônica das moléculas em sua fase líquida era muito limitada", diz Guo. "Não só o arranjo molecular se altera em uma escala de tempo muito rápida como as propriedades das moléculas individuais mudam constantemente".

O físico Jinghua Guo comandou um estudo colaborativo entre os Estados Unidos e a Suécia, no ASL Beamline 7.0.1, que resolveu o mistério do álcool e água em solução.

Um dos grandes mistérios era o fato de que quando o álcool e a água se misturam, a desordem, ou entropia, do sistema resultante não cresce da maneira esperada para soluções ideais.

No nível microscópico, uma mistura completa de álcool e água exigiria que as duas moléculas se unissem de maneira aleatória formando uma única fase líquida, sem interagir uma com a outra. Isso significa que a entropia para uma solução de água e álcool deveria aumentar substancialmente com relação à entropia do álcool puro. Para descobrir por que isso não acontece, Guo e seus colaboradores recorreram ao ALS -um acelerador de elétrons e anel de armazenagem otimizado para a produção de luz ultravioleta e raios-X, com pulsos em escala de picossegundos. Trabalhando com o ASL em modo beamline e em uma estação experimental conhecida como Soft-X-Ray Fluorescence Spectroscopy Facility (instalação de fluorescência espectroscópica de raios-X suaves), os colaboradores estudaram a absorção e a emissão de raios-X suaves (de baixa energia) pelo metanol líquido, tanto em solução aquosa quanto isolado. Os resultados foram publicados na revista científica "Physical Review Letters".

"Descobrimos que a estrutura do metanol líquido em temperatura ambiente é uma combinação de anéis e cadeias, cada qual composta por seis a oito moléculas de metanol", disse Guo. "Quando acrescentamos água, as cadeias de metanol interagem com aglomerados de moléculas de água de diferentes tamanhos. Isso faz com que as cadeias se curvem e formem estruturas estáveis em formato de anéis abertos. A formação de novas estruturas ordenadas nas quais moléculas tanto de água quanto de metanol tomam parte significa que os dois líquidos se misturam muito pouco no nível microscópico".

No nível molecular, acontece muito pouca mistura de álcool e água em solução. Em lugar disso, cadeias de moléculas de metanol reagem com aglomerados de moléculas de água, para formar estruturas estáveis de anel aberto, o que reduz a entropia da solução.

Os co-autores do relatório publicado na "Physical Review Letters" são Yi Luo, Stepan Kastanov e Hans Agren, do Real Instituto de Tecnologia da Suécia, Andreas Augustsson, Jan-Erik Rubenson e Joseph Nordgren, da Universidade de Uppsala, Suécia, e David Shuh, da divisão de ciências químicas do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley.

A estação experimental Soft-X-Ray Fluorescence Spectroscopy, Beamline 7.0.1, é uma coleção de posições para experiências que usam luz extraída do feixe de elétrons do ALS por meio de um imã ondulatório. Essa luz pulsante, muito brilhante e muito coerente é ideal para investigar as propriedades eletrônicas, estruturais e dinâmicas das moléculas mesmo que estas estejam em estado líquido.

Em um estudo anterior, Guo e seus colaboradores usaram o mesmo ALS em feixe para estudar a geometria e a estrutura eletrônica da água líquida pura em temperatura ambiente. Constataram que as moléculas de água formavam estruturas aglomeradas, com elos de hidrogênio servindo como cola para manter unidos os aglomerados. Os elos de hidrogênio, no entanto, se rompem e reformam rapidamente, de modo que em qualquer dado momento há sempre moléculas de água em nado livre presentes na água líquida. Porque esses aglomerados unidos por hidrogênio interagem com as cadeias de metanol em soluções de água e álcool, nesses casos não existem moléculas de água nadando livremente. Isso ajuda a explicar por que a entropia diminui para essas soluções.

"Os anéis formados quando álcool e água se misturam são estruturas estáveis porque os elos de hidrogênio estão saturados", diz Guo. "Seria de esperar que reduções ainda maiores na entropia do sistema surgissem caso mais moléculas de metanol e água estivessem formando estruturas altamente ordenadas.

Assim, isso quer dizer que quem gosta de uísque com água deve perder a esperança de encontrar a mistura perfeita. Guo afirma que é difícil dizer.

"Se misturarmos álcool e água em temperatura elevada, podemos esperar o surgimento de estruturas moleculares diferenciadas na mistura", afirma. "Muitos anos atrás, os pesquisadores usavam lasers para induzir reações em bebidas alcoólicas, e conseguiram alterar o cheiro delas por algum tempo. No entanto, não estou certo de que alguém tenha experimentado uma bebida que passasse por essa experiência".



Tradução: Paulo Migliacci
 

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