A Metamorfose
alex.rod@terra.com.br
Valdir apontava os lápis do escritório.
Sempre que o chefe ou algum colega precisava apontar um lápis, só
tinha de procurar Valdir que, orgulhoso e eficiente, acionava um grande
apontador de mesa - o qual era o único a operar - e, deixando a ponta bem
fininha, conferia o bom trabalho espetando-a na bochecha antes de devolver
o lápis ao dono. Fez assim por anos.
Mas então algum idiota inventou as tais lapiseiras, que vinham com um
apontador portátil junto, e ninguém mais precisou ir até a mesa de
Valdir e ele logo teve de procurar outra coisa para fazer.
Valdir, então, tornou-se o fornecedor de carbonos, folhas de papel,
formulários e fitas para máquina de escrever do escritório.
Sempre que o chefe ou um colega precisava de carbonos, folhas de papel
em branco, formulários e fitas para máquina de escrever não precisava
ir ao almoxarifado, só tinha de procurar Valdir, que geralmente guardava
um bom estoque de cada coisa na mesa e entregava prontamente tudo que lhe
era solicitado. Fez assim por mais alguns anos.
Porém outro idiota inventou os tais computadores, que logo que
tornaram obsoletos os carbonos, folhas de papel em banco, formulários e
fitas para máquina de escrever, assim como as máquinas de escrever, de
modo que mais uma vez ninguém mais ia até a mesa de Valdir, que teve de
procurar outra coisa para fazer.
Passou a guardar as folhas de papel timbrado do escritório.
Sempre que o chefe ou algum colega, por algum motivo, precisava de uma
folha de papel timbrado da empresa, só tinha de procurar Valdir, que
guardava uma gaveta cheia delas, mas, como funcionário dedicado e
cuidadoso, controlava com rigor a quem as entregava e qual seria o seu
futuro uso. Foi assim por outros tantos anos.
Mas algum cretino veio e inventou as tais impressoras e agora para se
ter um papel timbrado, bastava dar uma ordem ao computador. E ninguém
mais ia à mesa de Valdir, que outra vez teve de procurar o que fazer.
Começou a distribuir a correspondência.
Sempre que o chefe ou algum colega queria saber se chegou alguma carta,
só tinha de procurar Valdir, que, com a presteza de um carteiro, logo ia
verificar o malote. Também entregava a correspondência nas outras mesas,
dizendo "Correi-o" ao destinatário, que geralmente ficava
desconcertado com a brincadeira. E assim se passaram mais alguns anos.
Algum celerado, contudo, inventou a tal internet e também os e-mails,
com os quais todos podiam se comunicar uns com os outros sem intermediários,
como Valdir, que teve novamente de procurar o que fazer.
Valdir, então, não fez mais nada.
Sempre que o chefe ou algum colega queria ensinar aos outros como o
mundo dos negócios muda rápido, que é preciso saber se adaptar para não
ficar para trás e etc, só precisava apontar para Valdir, que, na
qualidade de funcionário obsoleto, passava os dias absolutamente imóvel.
Nunca mais um colega falou com ele ou sua voz foi ouvida. Todos tinham dúvida
se ainda costumava ir embora para casa ou morava no escritório. E assim
foram seus últimos anos. Valdir achou que finalmente encontrara o emprego
perfeito.
Mas os cretinos continuavam inventando coisas, entre elas uma grande e
colorida máquina de café, que também servia capuccino e chocolate
quente só com um apertar de botão, que certa manhã apareceu no lugar da
mesa de Valdir, que desde então nunca mais foi visto.
Terra
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