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Perguntas e respostas sobre as missões
a Marte
Helen Pearson
Nature News Service
A sonda Opportunity, da Nasa, aterrissou com segurança em
Marte no dia 25 de janeiro, encontrando abrigo em uma pequena cratera
da superfície marciana. Ela já enviou algumas imagens do local de
pouso, uma planície relativamente lisa, conhecida como Platô
Meridiani. O terreno é incomumente escuro, para Marte, com formações
rochosas que provavelmente constituirão o primeiro alvo de exploração
do veículo, quando suas viagens começarem, nesta semana.
Enquanto isso, do outro lado do planeta, a sonda gêmea, Spirit, está
"bem adiantada em termos de recuperação", de acordo com
Pete Theisinger, o gerente do projeto das sondas de exploração móveis
no Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, em Pasadena.
A equipe da Nasa acaba de conseguir reestabelecer contato firme com o
problemático robô de exploração, que esteve isolado do controle de
missão durante toda a semana passada. O software de vôo do Spirit
seria a raiz do problema, acredita a Nasa -o computador da sonda
robotizada aparentemente se religou mais de 60 vezes em três dias. Os
pesquisadores crêem que será possível corrigir o problema enviando
novos comandos aos computadores do Spirit.
O Opportunity e o Spirit são apenas dois dos diversos veículos que
chegaram a Marte nos dois meses passados. Compilamos aqui um guia prático
para que você possa acompanhar as missões, e para responder às
perguntas persistentes sobre os motivos para essas viagens de exploração.
P. Quantas espaçonaves foram enviadas a Marte, até agora?
R. Houve 38 tentativas de missão a Marte, de 1960 em diante, mas
muitas sequer conseguiram deixar a plataforma de lançamento. A
primeira espaçonave a penetrar o espaço aéreo marciano passou pelo
planeta em 1965. Colocar um aparelho em órbita do planeta já é
bastante difícil, mas conseguir um pouso bem sucedido em sua superfície
é tarefa de enorme complexidade, como descobriu o Beagle 2, para
perda da ciência. Dos nove aparelhos que chegaram à órbita
marciana, apenas seis -entre os quais o Spirit e o Opportunity-
pousaram com sucesso.
P. Por que temos tantas espaçonaves pousando ao mesmo tempo?
R. Este ano representava uma oportunidade privilegiada de viagem a
Marte. Em agosto de 2003, o planeta estava a apenas 56 milhões de
quilômetros da Terra. Marte só se aproxima tanto assim de nosso
planeta em média uma vez a cada 17 anos, mas devido às órbitas elípticas
de ambos os planetas, a distância que os separava era um pouco menor
dessa vez, e não voltará a ser tão baixa até 2287. É por isso que
a Nasa optou pelo envio de duas sondas, enquanto Japão e Europa
enviaram uma sonda cada.
P. O que todas essas espaçonaves esperam encontrar?
R. Água, basicamente. O Mars Express conta com enorme quantidade
de instrumentos projetados para detectar a presença de água na
atmosfera, nas calotas de gelo polares e até mesmo sob a superfície
do planeta. As missões anteriores avistaram áreas que pareciam
leitos secos de lagos, como a cratera de Gusev. É por isso que o
Spirit aterrissou naquela área -para descobrir se ela havia de fato
sido um lago, no passado.
Tudo isso pode provar que Marte foi um dia muito mais quente e muito
mais úmido -as condições essenciais para a vida. E, para aqueles
que pensam sobre uma possível colonização futura do planeta,
encontrar uma fonte de água logo abaixo da superfície tornaria a
possibilidade de habitação em longo prazo muito mais realista.
P. Por que eles não estão procurando por vida em si?
R. A Nasa não o faz porque não dispunha da tecnologia, quando do
lançamento do Spirit e do Opportunity, de acordo com Jan-Peter
Muller, do University College de Londres.
O Beagle 2, por outro lado, tinha essa tarefa. Dispunha a bordo de um
instrumentos conhecido como espectrômetro de massa, que seria usado
para medir os pesos de diferentes átomos. Os processos biológicos
tendem a depender de uma forma mais leve do carbono, de forma que
quaisquer depósitos minerais deixados por uma criatura viva poderiam
conter uma proporção mais alta desse carbono "leve" do que
os minerais não biológicos. A equipe do Beagle miniaturizou um
espectrômetro de massa, normalmente do tamanho de uma geladeira, para
que o aparelho coubesse na palma da mão, o que permitiria seu uso no
espaço. Infelizmente, o Beagle aparentemente não terá chance de
usar esse equipamento.
P. Mas já não sabemos que existe água em Marte?
R. Mais ou menos. Missões anteriores ao planeta identificaram
características geológicas que pareciam ter sido deixadas lá por água
corrente. O Mars Express agora obteve fotos mais detalhadas de
desfiladeiros, mostrando camadas sedimentares, o que indica que algo
os tenha escavado. Alguns pesquisadores dizem que isso é provam
definitiva de que o planeta no passado esteve recoberto de água.
Quanto à água em forma de gelo, imagens obtidas por radar sugerem
que existe muita, sob a superfície, e a sonda orbital Odyssey
detectou muitos átomos de hidrogênio presos sob a camada de gelo do
pólo sul marciano, o que, pensam os cientistas, deve indicar a presença
de água em forma de gelo. O Mars Express acaba de confirmar essas
observações, usando um espectrômetro infravermelho para detectar as
moléculas de água em si.
Mas não sabemos ao certo se existe água em forma líquida no
planeta, hoje.
P. Acreditamos que possa haver vida em Marte?
R. Um meteorito marciano localizado na Terra era interpretado, no
passado, como portador de fósseis de uma bactéria alienígena. Mas a
interpretação se provou altamente controversa -há quem diga que os
traços presentes na rocha poderiam ter sido formados sem a presença
de vida.
Existe uma grande chance de que Marte tenha sido mais hospitaleiro no
passado, em tempos mais quentes e úmidos, e a vida poderia,
teoricamente, ter persistido no planeta. Foram encontradas bactérias
em condições extremas, na Terra. A distribuição de umidade no
deserto do Arizona, por exemplo, uma região capaz de sustentar vida,
é bastante semelhante à da superfície de Marte. Ninguém sabe ao
certo onde fica a linha entre "inabitável" e "habitável".
P. E essas missões recentes a Marte descobriram alguma coisa de
verdadeiramente novo?
R. Em geral elas confirmaram coisas que suspeitávamos serem
verdade, e obtiveram imagens e mensurações com grau de detalhe muito
superior ao que tínhamos conseguido no passado.
O Mars Express, por exemplo, na semana passada confirmou que Marte está
perdendo moléculas de água devido aos ataques do vento solar, uma
corrente de partículas de alta energia que o Sol arremessa. O vento
solar remove moléculas de água da atmosfera, e isso faz com que o
planeta deixe uma trilha semelhante à cauda de um cometa. Os
pesquisadores acreditavam há muito que isso fosse verdade, mas agora
viram o processo em ação. O efeito poderia explicar de que maneira
desapareceram grandes quantidades da antiga reserva de água do
planeta.
O Mars Express também confirmou que existe água em forma de gelo no
pólo sul.
P. Podemos aprender alguma coisa sobre a Terra, ao estudar Marte?
R. Sim. Marte tem uma atmosfera simples, se comparada à
terrestre, e ela não sofreu interferências, o que permite que os
pesquisadores observem com menos obstáculos a relação entre coisas
como o vapor d'água e o ozônio -uma tarefa importante para os
estudos do clima na Terra.
Nos anos 70, dados obtidos em uma das missões Viking foram usados
para compreender o que acontece à superfície de um planeta quando
grandes volumes de poeira voam para a atmosfera. As nuvens de poeira
bloqueiam a luz do Sol, concluiu esse estudo, causando profunda queda
na temperatura de superfície. Isso se tornou conhecido como a hipótese
do "inverno nuclear", devido aos efeitos semelhantes que uma
detonação nuclear poderia causar na Terra.
P. O que é um "sol", e por que os pesquisadores falam
tanto a respeito disso?
R. Um dia marciano. Cada sol dura 39 minutos e 35 segundos a mais
que um dia terrestre. O robô de exploração dorme à noite, porque
funciona com energia solar, o que significa que os cientistas da Nasa
comem, dormem e conversam de acordo com o horário do sol marciano.
P. Marte é realmente vermelho?
R. As sondas Viking o viram como "marrom chocolate",
enquanto todas as imagens obtidas pelo Spirit passaram por tratamento
de reforço de cor, o que fez com parecessem mais avermelhadas.
Cientistas da Nasa dizem que podem ser necessárias semanas de coletas
de dados para definir a cor real do planeta. O brilho vermelho que
percebemos pelo telescópio vem de minerais férreos oxidados
presentes no solo -basicamente, Marte é um planeja enferrujado.
P. Essas espaçonaves voltarão algum dia?
R. Não. Os painéis solares do Spirit e do Opportunity produzirão
menos e menos potência à medida que Marte se afastar do Sol e a
poeira começar a reduzir-lhes a eficiência. Cerca de 90 dias depois
do pouso no planeta, os robôs de exploração não poderão mais
armazenar energia suficiente para se manterem aquecidos durante a
noite. As sondas ficarão congeladas para sempre onde pararem -como os
veículos que as precederam.
Os veículos orbitais duram mais tempo, mas o Mars Express, por
exemplo, terminará arrastado para a atmosfera marciana, onde será
destruído devido às elevadas temperaturas de reentrada.
A primeira missão a Marte com retorno à Terra, provavelmente
portando amostras de rochas, está planejada para 2011.
P. Alguém está preocupado com todo esse lixo que estamos deixando
no planeta vermelho?
R. Ninguém se preocupa muito com restos de metal enferrujando na
superfície, mas as pessoas estão tomando grande cuidado para não
contaminar a superfície marciana com bactérias terrestres.
Desde 1967, os países que executam missões espaciais têm em vigor
um tratado sob o qual prometem fazer o máximo para evitar contaminação,
durante a exploração de outros planetas, e devemos nos felicitar por
isso. Caso não o tivessem adotado, qualquer forma de vida que encontrássemos
um dia em Marte talvez tivesse sido levada por nós mesmos.
P. Viveremos em Marte um dia?
R. George Bush parece acreditar que sim. Prometeu enviar
astronautas de volta à Lua já em 2015, e no máximo até 2020, com a
intenção de construir uma base permanente lá. Da Lua, poderemos ir
a Marte... e mais além, disse ele. Tecnologicamente, isso é possível,
mas os críticos classificam as declarações de Bush como truque
eleitoral. E todos concordam que muito tempo, dinheiro e recursos serão
necessários para levar a cabo um projeto como esse.
Tradução: Paulo Migliacci
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