Depende da dose

A aspirina pode não ser tão efetiva
na prevenção de ataques cardíaco

Paula Neiva

Incensada como uma das principais aliadas na prevenção de infartos e derrames, a aspirina está na berlinda. Os estudos mais recentes indicam que em cerca de 30% dos casos o medicamento à base de ácido acetilsalicílico não protege contra as doenças cardiovasculares. Algumas pessoas, com o tempo, desenvolvem resistência à aspirina e ela deixa de surtir efeito. Outras simplesmente não respondem à ação preventiva do remédio. O assunto foi tema de um artigo estampado na última edição da Harvard Heart Letter, uma publicação mensal sobre as novidades em cardiologia, produzida por pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. É a primeira vez que se coloca em xeque a eficácia do medicamento no combate aos males cardiovasculares. Tinha-se por certo que a aspirina funcionava, se não para todos, para a maioria dos pacientes. Tanto que o último consenso da Associação Americana do Coração, de 2002, determina que até os pacientes com risco cardíaco moderado devem tomar aspirina diariamente.

Pelas propriedades analgésicas e antiinflamatórias do ácido acetilsalicílico, seu uso começou a ser demonstrado na prevenção de infartos e derrames na década de 70. Na época, em artigo na revista científica Nature, médicos ingleses do Royal College of Surgeons de Londres relataram que o medicamento evitava a aglutinação das plaquetas sanguíneas. Essas estruturas funcionam como uma espécie de exército de proteção de artérias e veias. Quando um vaso sanguíneo sofre algum dano, as plaquetas se juntam e ajudam a reparar o tecido lesionado. Em pacientes cardíacos ou pessoas com fatores de risco para doenças cardiovasculares, no entanto, esse processo é acelerado. Com isso, aumenta a probabilidade de formação de coágulos e, conseqüentemente, de entupimento das artérias.

É justamente quanto à aglutinação das plaquetas que a aspirina pode não ser tão efetiva como se imaginava. Com o aperfeiçoamento de testes que medem o nível de atividade dessas estruturas sanguíneas, foi possível identificar com precisão que muitos pacientes eram resistentes a essa ação do medicamento. Os fatores que comprometem o efeito preventivo do remédio vão desde a determinação genética até hábitos de vida pouco saudáveis, como o tabagismo (veja quadro).

É improvável que o artigo de Harvard se reflita imediatamente na conduta atual dos médicos. "Por enquanto continuaremos a usar a aspirina na dosagem de 100 miligramas por dia (o equivalente a um comprimido infantil)", diz o médico Otávio Rizzi Coelho, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. "Isso porque há indícios de que a aspirina possui outros mecanismos ainda não completamente estabelecidos na prevenção dos distúrbios cardiovasculares." Uma das hipóteses refere-se à ação antiinflamatória do ácido acetilsalicílico. Os especialistas acreditam que o medicamento pode reduzir a inflamação das placas moles de gordura, responsáveis por 70% dos infartos. Com isso, diminui-se também o risco de rompimento dessas placas e de entupimento das artérias.

 

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