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Blogs colocam
na rede raridades da música brasileira
SHIN OLIVA SUZUKI
da Folha de S.Paulo
No último dia 13 de maio, um álbum raro, lançado em 1969 pelo
grupo psicodélico regional O Bando, e "Meu Samba É Assim", de
Marcelo D2, só lançado oficialmente nove dias depois, tinham
algo em comum. Não estavam nas lojas e achá-los nos programas de
troca de arquivos na internet era tarefa impossível. Porém, para
ouvi-los, bastava procurar outros caminhos dentro da própria
rede: ambos eram oferecidos para download em blogs.
Mais conhecido como diário e expositor virtual da intimidade de
garotos e garotas na primeira fase da adolescência, o blog agora
ganha status de ferramenta para a circulação de raridades
musicais. Nesses sites é possível encontrar álbuns que não
ganharam reedição em CD, ou que até ganharam, mas estão com
tiragem esgotada. Fora da web, esses títulos são vendidos a
preço de ouro por negociantes de discos usados.
Sites como Hoje É Ainda Dia de Boa Música, Brazilian Nuggets e
SaravaClub estão trazendo à luz, sem poeira nem cheiro de mofo,
bolachas como "Herbie Mann & João Gilberto with Antonio Carlos
Jobim" (1965) e "Secos e Molhados - Ao Vivo no Maracanãzinho"
(1974) ou o divertido "Água Benta" (1978), do trapalhão Mussum.
Mas há também blogs que preferem as novidades e antecipam os
lançamentos, caso do mais recente disco de Marcelo D2.
As páginas, na verdade, não armazenam os discos; normalmente
trazem as informações visuais e comentários relacionados às
obras (ou seja, são menos impessoais do que os programas de
troca de músicas). A partir deles, o internauta tem acesso aos
links que levam a sites de hospedagem de arquivos digitais de
tamanho considerável. É lá que são feitos, gratuitamente, os
downloads.
O jornalista mineiro Hever Costa, 40, dono do blog Música do
Bem, no qual predominam os discos de jazz, ressalta o caráter
comunitário dessas páginas. Para ele, o novo tipo de troca de
informação, mais personalizado, geralmente tem eco e constrói
elos entre quem oferece e quem pesquisa. "É um trabalho de
resgate de músicas esquecidas. Já cheguei a orientar um grupo de
teatro que estava montando a trilha sonora de uma peça por meio
do blog."
O curitibano Vinícius Franch, 22, que mantém o blog de rock
psicodélico Vinil Velho, concorda. "É uma forma de conhecer, de
obter informação sobre discos obscuros. E pode até ajudar a
propagar a obra de algum artista", comenta.
Hever Costa, que transformou boa parte de sua coleção de vinis
em 50 mil arquivos digitais, afirma que não há interesse
econômico por parte dos donos desses blogs. "Eu não faço isso
para ganhar dinheiro. O espírito é botar na roda material que
antes não estava disponível", afirma.
E o fenômeno vem ganhando corpo. O Mercado de Pulgas, por
exemplo, outro blog mineiro gerenciado por seis pessoas de
gostos distintos, registra 23 mil visitas desde fevereiro deste
ano, quando foi inaugurado.
O universitário André Henrique Macedo, 19, de Brasília, é um dos
novos adeptos das páginas. "Serve como um complemento ao
SoulSeek [programa de troca de arquivos pela internet]", diz o
estudante. Apesar da vantagem de encontrar blogs temáticos, que
podem reunir centenas de músicas do mesmo estilo, o sistema
também tem seus problemas. "As páginas de hospedagem falham de
vez em quando na hora de fazer o download", completa.
Disputa legal
No terreno legal, o advogado Nehemias Gueiros Jr., especialista
em direitos autorais e professor direito da internet na Fundação
Getúlio Vargas-RJ, diz que falta uma legislação específica para
analisar as atividades desses blogs. "Ainda não existem
instrumentos legais para punir esse tipo de troca eletrônica,
muito menos jurisprudência ou precedente que possa embasar o
raciocínio de um juiz", afirma.
Segundo o advogado, que lança em agosto o livro "O Direito
Autoral na Internet" (ed. Millenium), somente duas pessoas foram
processadas no Brasil até hoje por download ilegal. "Apesar de
ser um dos países com maior número de usuários de internet, o
intercâmbio de músicas ainda está restrito às camadas mais ricas
da população", afirma o advogado.
A Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD), entidade
que reúne as grandes gravadoras do país, disse, por meio de sua
assessoria de imprensa, que não havia nenhum diretor disponível
para comentar o assunto. Atualmente, a instituição está mais
empenhada em combater a forma mais tradicional de pirataria, ou
seja, a de CDs e DVDs.
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