Engenheiro combate
o spam e luta contra um câncer
Vinte e cinco atrás, Stephen Kirsch criou
um mouse melhor. Agora, ele acredita que será capaz de criar uma
ratoeira melhor ¿ para o spam, não para ratos -, caso tenha tempo
suficiente para concluir seu projeto. Engenheiro treinado pelo Instituto
de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Kirsch se sentia frustrado diante
da qualidade dos primeiros mouses de computador, em 1982, de modo que
decidiu melhorar os aparelhos incorporando a eles um sensor óptico.
Desde então, ele fundou quatro empresas, todas baseadas em sua
frustração com produtos ou serviços existentes. Ele fez incursões aos
segmentos de processamento de texto, design, aceleração da web e, em
1997, a Infoseek, empresa de busca que ele criou, era o terceiro maior
entre os provedores de buscas na Internet. De muitas maneiras, Kirsch,
50 anos, veio a exemplificar aquilo que distingue o Vale do Silício ¿ a
combinação entre talento para a engenharia e um persistente ímpeto
empreendedor.
Ao longo do caminho, ele amealhou uma fortuna pessoal avaliada em US$
230 milhões, sucesso que permitiu a ele e à mulher se tornarem
filantropos conhecidos no Vale do Silício, contribuindo com mais de US$
75 milhões para campanhas da United Way e outras causas, por meio
de sua fundação.
Recentemente, Kirsch decidiu que enfrentaria o problema do spam. Este
ano, ele fundou a Abaca, uma empresa com uma nova abordagem no
movimentado mercado de especialistas em combater as mensagens
eletrônicas indesejadas.
A Abaca se declara capaz de deter 99% do spam, e sustenta essa
alegação com uma promessa de satisfação garantida ou o dinheiro do
cliente de volta. De acordo com o resultado de uma pesquisa independente
conduzida pela Opus One, uma consultoria de computação de Tucson,
Arizona, em fevereiro, essa porcentagem seria significativamente
superior às conseguidas pelas seis maiores empresas de combate a spam.
Engenheiro sofre de câncer
O trabalho da Abaca se tornou ainda mais urgente para Kirsch porque, há
alguns meses, ele descobriu estar sofrendo de uma forma rara de câncer
sangüíneo, a macroglobulinemia de Waldenstrom, que atinge apenas 1,5 mil
norte-americanos por ano e é considerada incurável, embora seja possível
sobreviver ao problema por mais tempo do que os cinco a sete anos
usualmente comunicados como expectativa aos pacientes.
Até agora, ele não apresenta efeitos negativos da doença, e disse que
está determinado a aplicar a disciplina da engenharia ao seu problema
pessoal. "Considero a questão como um problema a ser solucionado, com um
prazo de quatro anos. Caso eu não obtenha sucesso, não poderei resolver
outros problemas".
Kirsch não é o primeiro empresário conhecido do Vale do Silício a
enfrentar uma batalha contra o câncer. Andrew Grove,
presidente-executivo da Intel, sobreviveu a um câncer de próstata. Em
maio de 1996, Grove escreveu um artigo que foi usado como matéria de
capa pela revista Fortune, no qual ele revelava detalhes íntimos
sobre a doença. Mais recentemente, Steve Jobs, o presidente-executivo da
Apple, também passou por uma cirurgia e sobreviveu a uma forma rara de
câncer pancreático.
Prioridades
Como fez ao enfrentar desafios passados, Kirsch delineou sua situação e
o que ele está fazendo para tentar resolvê-la de maneira muito detalhada
em seu site pessoal. Sua abordagem quanto à sobrevivência está exposta
de maneira impiedosa. No entanto, os esforços dele para combater a
doença estão listados em terceiro lugar entre suas prioridades, depois
de "eliminar o spam" e "decidir quem será o melhor presidente para os
Estados Unidos na próxima eleição".
Em seu site, ele descreve a situação que enfrenta da seguinte
maneira: "Tenho tempo suficiente para mudar o resultado, e vou tentar
fazê-lo. Essa é minha história".
A perspectiva dele sobre a doença fica igualmente clara. Em quarto
lugar de sua lista de prioridades está "explicar por que os seres
humanos se extinguirão nos próximos 90 anos". Ele afirma que "o câncer
no sangue de que estou sofrendo é ínfimo se compararmos ao que está
acontecendo com o planeta. Temos pouco mais de 90 anos antes que a
humanidade esteja virtualmente extinta".
No passado eleitor declarado do Partido Republicano, Kirsch se
aproximou mais dos candidatos democratas, e pode ser incluído como um
dos principais apoios de Al Gore, em particular, devido à postura
ambientalista do antigo vice-presidente.
"Ele trabalhou muito em arrecadação de fundos e demonstrou disposição
de realmente se esforçar pela causa", disse John Shoch, um especialista
em capital para empreendimentos do Vale do Silício. "Ele diz aquilo em
que acredita e apóia causas políticas, e não hesita em participar do
debate público ou se envolver em controvérsias".
A mudança mais visível que a doença trouxe à vida de Kirsch foi sua
recente decisão de alterar as prioridades de doação da Fundação Steve e
Michele Kirsch, que até o final do mês passado trabalhava com uma ampla
gama de objetivos filantrópicos comunitários.
Pelo final de outubro, porém, a fundação anunciou que no futuro
concentraria suas doações no financiamento de pesquisas associadas ao
câncer de que Kirsch está sofrendo, já que a raridade da doença faz com
que poucas verbas federais sejam dedicadas ao seu estudo.
Por enquanto, entre visitas semanais ao Cento Médico de Stanford,
Kirsch continua a dedicar boa parte de seu tempo a convencer o mundo de
que ele desenvolveu uma maneira muito melhor de bloquear o spam.
Tradução: Paul Migliacci
The New York Times
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