PETER S. GOODMAN
Quase um ano depois de ter sido demitido de seu emprego de instalador de janelas, Raymond Vaughn ainda está sem trabalho, olhando os classificados de emprego no computador e enviando currículos. Mas Vaughn agora tem outra atividade, destinada a fazê-lo escapar de seu crônico aperto financeiro: ele está estudando para uma carreira em faturamento de seguros médicos em um curso virtual que encontrou na internet.
Durante várias horas a cada manhã, Vaughn se senta numa escrivaninha na modesta casa alugada que divide com sua noiva, memorizando procedimentos médicos e absorvendo desenhos detalhados da anatomia humana. "A terminologia médica está acabando comigo", diz. Ele faz testes online, avançando em direção ao diploma que irá, promete a escola, prepará-lo para trabalhar de casa, processando cobranças para companhias de seguro enquanto ganha até US$ 50 mil por ano. "Isso me pareceu bom", afirma.
Ele passa a noite em um sofá com um maço de cigarros Newport na mesa de centro e o controle-remoto em mãos, observando um mundo mergulhado em agonia. Ele zapeia de filmes de ação a canais de notícias, absorvendo um quadro confuso de violência cinematográfica e deterioração econômica real: cortes de emprego, assaltos ao caixa eletrônico local, bônus financiados pelo contribuinte para os caciques desgraçados de Wall Street.
Ele presta atenção às notícias de que a Carolina do Sul tem a segunda maior taxa de desemprego dos Estados Unidos com 11% em fevereiro, atrás apenas de Michigan. Ele se agita quando escuta que o governador republicano de seu Estado, Mark Sanford, está se preparando para rejeitar US$ 700 milhões da ajuda federal destinada a gerar novos empregos, com o argumento de que gastar mais agora vai simplesmente aumentar a dívida pública dos anos seguintes.
"Como alguém que nunca esteve duro pode dizer com qualquer segurança do que alguém que batalha precisa?", pergunta Vaughn com desgosto. Por todos os lados, ele ouve falas solenes sobre a recessão, como se a mesma realidade que definiu boa parte de seus 43 anos finalmente tivesse alcançado o resto da nação.
"Para mim, sempre foi uma recessão", diz Vaughn. "Sempre tive dificuldade para encontrar trabalho e pagar minhas contas. E agora estamos ouvindo recessão isso, recessão aquilo, eu penso: tá, agora que está atingindo os ricos, é oficialmente uma recessão. Tiveram que parar de comer nos restaurantes chiques com seus jantares de frango de US$ 100, e agora são obrigados a comer comida simplória comigo."
Ele ainda recebe um cheque semanal de seguro desemprego de US$ 221, e depende da generosidade de sua noiva, cujo salário de secretária em um hospital paga as contas. "Ela sustentaria esse lugar sozinha", diz Vaughn. "Ela poderia me chutar daqui e estaria bem. Isso me incomoda. Seria difícil para qualquer homem."
Ainda assim, com mais de um ano de punitiva crise econômica, e mais de quatro décadas de uma vida cuja única continuidade tem sido uma luta perpétua, Vaughn está bem ciente de que orgulho é um luxo para ele. Nos EUA, o desemprego atingiu sua maior taxa em mais de um quarto de século, um cenário que provavelmente vai piorar na sexta-feira, quando o governo anunciar a situação do mercado de trabalho em março.
A maioria dos economistas espera que o relatório vá mostrar que mais de 650 mil postos de trabalho desapareceram da economia no mês passado, elevando o total para 5 milhões desde que a recessão começou em dezembro de 2007. As perspectivas têm sido especialmente desalentadoras para homens afro-americanos como Vaughn, que não tem um diploma universitário e que há muito tempo ganha a vida com seus braços.
Nascido e criado em Jamaica, no Queens, seção da cidade de Nova York, Vaughn passou os últimos 17 anos na Carolina do Sul, fugindo das ruas cotidianamente violentas de sua juventude. No país, menos de 60% dos homens negros com 20 anos ou mais estavam empregados em fevereiro, a menor proporção desde que o governo começou a coletar os dados em 1972, e menos que os 66% de um ano antes.
Amigável e propenso a comentários jocosos, Vaughn se juntou às vítimas da recessão em maio, quando foi demitido do trabalho em que instalava e reparava janelas e portas, ganhando US$ 11,50 por hora e seguro de saúde. Em dezembro, ele estava com centenas de outras pessoas numa fila para as poucas vagas oferecidas em uma feira de empregos.
A possibilidade mais promissora por lá era uma posição como técnico em uma companhia de ar-condicionado. O pagamento por hora era US$ 3 menor do que o de seu antigo emprego. Ele não conseguiu a vaga, e logo a companhia recorreu a demissões. Ele disse que já se candidatou para mais de 50 empregos desde então, incluindo postos como soldador, mecânico e pintor. "Qualquer coisa", disse. "Tenho me candidatado para qualquer coisa."
Em fevereiro, ele fez uma entrevista numa fábrica de adesivos industriais, mas sua própria necessidade de emprego surgiu como impedimento para conseguir um. A companhia fez uma checagem de crédito, descobriu seu histórico de altos e baixos e o recusou, ele conta. "Eles me disseram que tudo parecia bom até a checagem de crédito", lembra.
O registro de crédito de Vaughn é um duro exemplo da experiência nacional. Ele é repleto de acordos que deram errado, transações não suficientemente compreensíveis, garantias aceitas sem um escrutínio crítico e aquisições feitas esperando uma renda que nunca chegou.
Há sete anos, ele comprou um trailer, fazendo uma hipoteca que, segundo ele, deveria ser de US$ 653 por mês pela casa motorizada e a terra. Quando a conta chegou com um extra de US$ 200 por mês, ele desistiu, convencido de que havia sido enganado. Há dois anos, ele acumulou US$ 200 em tarifas de um cartão Visa que não conseguiu pagar. "Era basicamente gasolina e coisas pequenas", diz.
Em janeiro, um e-mail chegou à sua caixa de entrada com algo chamado U.S. Career Institute (Instituto de Carreira dos Estados Unidos), do Colorado, que oferecia um treinamento online para "uma excitante carreira profissional" no ramo de contas médicas. Ele aderiu, pagando US$ 69 por mês, atraído pela idéia de um salário de classe média.
Ele conhece alguém que tenha tido sucesso com isso? "Não, mas eu telefonei e fiz uma checagem na empresa", diz. "Basicamente, disseram que a escola é credenciada. É uma escola de peso. Não é uma escola que foi reprovada."
Ele discutiu o assunto com sua noiva, que apoiou a idéia, calculando que seguro de saúde é um campo em crescimento. Ele diz isso com o tom de voz de um homem cujas aspirações já foram arruinadas mais de uma vez, agora tentando se convencer da verdade de algo duvidoso; um homem que distribuiu tantas candidaturas para emprego e recebeu tão poucas respostas, feliz por ter finalmente encontrado uma mensagem em sua caixa de e-mails pintando um futuro promissor que supostamente está apenas esperando alguém como ele.
Tradução: Amy Traduções.
The New York Times