Ao aceitar um acordo para encerrar um processo aberto por 38 Estados norte-americanos quanto às violações de privacidade do projeto, a companhia terá de pela primeira vez policiar agressivamente as ações de seus funcionários em relação à privacidade, e informar explicitamente ao público como agir para evitar violações de privacidade parecidas com as que aconteceram no projeto Street View.
Embora o acordo também inclua uma modesta --para o Google-- multa de US$ 7 milhões, os defensores da privacidade e críticos do Google o caracterizaram como um grande avanço, já que envolve uma companhia a que acusam de violação serial da privacidade.
"O Google coloca a inovação acima de tudo e resiste a pedir permissão", disse Scott Cleland, consultor de concorrentes do Google e defensor dos direitos dos consumidores cujo blog acompanha de perto as questões de privacidade que envolvem a companhia. "Mas os Estados estão deixando claro que agora estarão observando, e que existem limites que a companhia não deveria ultrapassar".
O acordo abre caminho para uma grande batalha quanto à privacidade envolvendo o Google Glass, um computador vestível, em forma de óculos, que a companhia vem promovendo de maneira vigorosa recentemente, diz Cleland. "Se você usar o Google Glass e gravar uma conversa privada de um casal no Starbucks, terá violado sua privacidade?", ele questiona. "Bem, 38 Estados norte-americanos acabam de responder que para eles há problema em recolher dados pessoais sem autorização".
George Jepsen, secretário estadual da Justiça do Connecticut,
que comandou a investigação dos Estados, disse que tinha a
esperança de que o acordo resultasse em um Google novo.
"Trata-se do gigante do setor", ele disse. "E assumiu o
compromisso de mudar sua cultura interna e encorajar a
sensibilidade quanto a questões de privacidade de dados
pessoais".
Mas os aplausos não foram universais. A Consumer Watchdog, uma
organização de defesa do consumidor e frequente crítica do
Google, disse que "pedir que o Google eduque os consumidores
sobre a privacidade é como pedir que a raposa ensine às galinhas
como proteger o galinheiro".
Niki Fenwick, porta-voz do Google, disse na terça-feira que "no Google trabalhamos com afinco para acertar quanto à privacidade, mas nesse caso não o fizemos, e por isso logo corrigimos nossos sistemas para lidar com a questão".
Na metade do ano passado, a Comissão Federal de Comércio (FTC) norte-americana multou o Google em US$ 22,5 milhões por desconsiderar as proteções de privacidade no navegador Safari, a maior multa já imposta pela FTC em um caso civil. Em 2011, o Google aceitou acordo que prevê que será auditado durante 20 anos pela FTC, depois de admitir o uso de táticas enganosas ao lançar sua rede social Buzz. O acordo incluía diversas cláusulas um tanto vagas de proteção à privacidade.
O novo acordo, que concede ao Google prazo de seis meses para criar um novo programa de privacidade, é mais específico. Entre as exigências, o Google terá de promover uma semana anual de privacidade para instruir seus funcionários, e criar programas de certificação quanto à privacidade para treinar os ocupantes de certos cargos, realizar cursos de atualização para seus advogados encarregados de novos produtos e treinar os encarregados de lidar com questões de privacidade.
Diversas das cláusulas envolvem esforços de informação. O Google precisa criar um vídeo para o YouTube que explique como as pessoas podem cifrar facilmente os dados em suas redes em fio, e veicular um anúncio online diário sobre o assunto por dois anos. A companhia terá de veicular anúncios educativos nos maiores jornais dos 38 Estados participantes, entre os quais, além do Connecticut, estão Nova York, Nova Jersey, Massachusetts, Califórnia, Ohio e Texas.
"Esses são os requisitos mínimos que o Google precisa cumprir", disse Matthew Fitzsimmons, secretário assistente da Justiça do Connecticut que conduziu as negociações com a empresa. "Isso terá impacto sobre os futuros produtos e serviços do Google".
Marc Rothenberg, do Electronic Privacy Information Center, disse que o acordo representava "uma decisão significativa pelos secretários estaduais de Justiça", acrescentando que "isso demonstra a importância do papel deles na proteção aos direitos de privacidade dos usuários da Internet".
O caso do Street View surgiu do uso de veículos especiais pelo Google para fotografar as edificações de ruas, avenidas e alamedas em cidades de todo o mundo. Por diversos anos, a empresa também recolheu secretamente informações pessoais --e-mails, registros médicos e financeiros, senhas-- captadas pelos veículos que circulavam para as fotos. O Google estava recolhendo volume imenso de dados de redes sem fio não cifradas.
Isso resultou em protestos mundiais e em investigações em pelo menos uma dúzia de países. Stephen Conroy, que trabalha para uma agência regulatória australiana, definiu o caso como "talvez a maior violação de privacidade na História". O Google inicialmente negou que quaisquer dados tivessem sido recolhidos sobre usuários não informados da prática, e rechaçou os esforços das autoridades para vistoriar os dados. O Google afirmou que parte dos dados haviam sido destruídos, mas isso não era verdade. Alguns dos dados terminaram expurgados, mas o Google reteve os demais até que diversos processos judiciais pendentes sejam resolvidos.
A companhia atribui a culpa pela operação a um engenheiro que agiu sem instruções. Mas a Comissão Federal de Comunicações (FCC) disse que o engenheiro havia colaborado com colegas e que havia tentado informar o chefe sobre o que estava fazendo. A agência diz que ele agiu sem ordens essencialmente porque ninguém o supervisionava. A FCC no ano passado multou o Google em US$ 25 mil por obstruir a investigação. O Google vem afirmando repetidamente que está reforçando sua monitoração de privacidade, criando uma hierarquia e controles. Mas os Estados não consideram que essas garantias sejam suficientes.
"Nós obviamente sentíamos que eles poderiam fazer mais", disse Fitzsimmons. Um comitê executivo formado por alguns dos secretários de Justiça participantes monitorará o cumprimento do acordo pelo Google. A multa de US$ 7 milhões é irrisória para a empresa, cujo lucro líquido é da ordem de US$ 32 milhões ao dia.
"É o opróbrio público, e não o dinheiro, que conta, nesses
casos", disse David Vladeck, professor de Direito na
Universidade Georgetown e antigo diretor da divisão de proteção
ao consumidor da FTC. "E acho que as pessoas ficaram infelizes,
e com razão, já quando o Google recolheu as informações, e
depois com suas explicações canhestras sobre o acontecido".
As autoridades regulatórias da Alemanha promoveram um caso
agressivo contra o Google, mas em novembro decidiram encerrar a
investigação sem apresentar acusações. Isso parecia ter
enterrado o assunto, até esta semana. Poucos observadores
externos imaginavam que os esforços dos Estados tivessem
resultado.
O inquérito começou em junho de 2010. Richard Blumenthal, então secretário da Justiça do Connecticut, anunciou que seu escritório comandaria uma investigação envolvendo múltiplos Estados sobre o que ele definiu como "a perturbadora invasão da privacidade pessoal pelo Google". Em dezembro de 2010, Blumenthal --que havia se elegido senador federal pelo Connecticut no mês anterior-- apresentou uma intimação ao Google para obter os dados recolhidos indevidamente, mas a empresa não os entregou.
"A questão foi resolvida quando eles admitiram que recolheram a espécie de dados que alegamos estavam recolhendo", disse Jepsen.
De qualquer forma, disse, "o que importa é que o Google admitiu que não estava só tirando fotos".
Folha Noticias