Para 60% da população mundial, acessar a internet regularmente é tão comum quanto andar em carros voadores. Hoje, quase cinco bilhões de pessoas não possuem acesso básico à internet, seja porque moram em áreas rurais e remotas, seja devido à censura do governo local.
Onde a internet falhou, a Outernet espera triunfar. Ela está trabalhando para concretizar um novo tipo de comunicação via satélite, prometendo levar acesso ao conhecimento até mesmo para os cantos mais remotos do mundo.
A Outernet é uma invenção de uma empresa novaiorquina de mesmo nome. Trata-se de um sistema gratuito para distribuição de conteúdo, que forneceria acesso básico à web através de uma série de satélites geoestacionários, de órbita terrestre baixa, além de CubeSats. Ele usará uma combinação de datacasting com UDP (User Datagram Protocol).
Datacasting é a transmissão de dados em uma área ampla por meio de ondas de rádio, não por meios físicos (como cabos, linhas de telefones ou rede elétrica).
O UDP, por sua vez, permite transmissões muito parecidas com o rádio ou televisão. Os dados são jogados de sua origem até qualquer equipamento que esteja no alcance, sem qualquer garantia de que serão recebidos, tal e qual as estações de rádio fazem transmissões sem considerar quais ou quantos rádios estão no alcance.
O UDP é uma das formas mais básicas de protocolo de internet. Criado em 1980, ele é um modelo de transmissão sem conexão: ou seja, ele não precisa que alguém esteja do outro lado da linha quando os dados são enviados.
Rádio para a era digital
Basicamente, a Outernet é o análogo moderno às ondas de rádio convencionais. O sinal tem origem em um único local central – neste caso, a sede da Outernet em Nova York. Ele viaja através de diversos comprimentos de onda até chegar a um receptor adequado (uma antena parabólica). O usuário final pode modelar a frequência recebida para alternar entre as “estações”.
Mas, em vez de confiar em estações de rádio na Terra, a Outernet joga seu sinal até uma série de satélites, que o levam até o receptor adequado. Esse receptor funciona como um ponto de acesso Wi-Fi. Em seguida, ele se conecta a um computador ou dispositivo móvel e transfere os dados recebidos como um arquivo digital.
Essa rede é unidirecional: não há uma comunicação de duas vias aqui, da mesma forma que você não receberá resposta se falar com o rádio do seu carro. Por isso, o sistema exige muito menos largura de banda e sua operação exige muito menos dinheiro.
“A internet tem duas funções principais: comunicação e acesso à informação”, disse Syed Karim, co-fundador da empresa, à BBC. “É a parte da comunicação que a torna tão cara”.
Biblioteca pública da humanidade
Na parte da informação, a Outernet começou a formar um “arquivo central” de conhecimento, baseado em informações colhidas de cinco mil páginas da Wikipédia, do Projeto Gutenberg e de vários e-books livres de direitos autorais. O plano inicial, que ainda tem alguns nós a serem desatados, é que o público decida qual conteúdo será transmitido; decisões são tomadas com base em pedidos e votações dos usuários.
E mais: um vez que o sistema é unidirecional, ele é muito mais difícil de ser censurado. Isso é semelhante ao período da Guerra Fria: os rádios de ondas curtas serviram como fontes vitais de informação para aqueles presos atrás da Cortina de Ferro. Inicialmente fundada por uma companhia de investimento em mídia, a Outernet tem como missão proporcionar informação livre, anônima e educacional, disponível em regiões enfrentando censura governamental ou fora da rede por qualquer outro motivo.
Em agosto, a startup começou a transmitir esses dados através de um satélite geoestacionário; ela pode enviar até 200 MB por dia. O satélite alcança a América do Norte e a maior parte da Europa Ocidental, e a empresa tem planos de se expandir para o resto do mundo até julho de 2015. Ela captou quase US$ 380.000 no Indiegogo, e assim poderá aumentar o limite de transmissão diária para 100 GB/dia em um futuro próximo.
Syed Karim disse em uma TED Talk que um único receptor em uma vila no centro da África pode fornecer resmas de informação valiosa para até trezentos moradores do local – incluindo textos sobre agricultura, saúde e serviços humanos. “Se você estiver na vizinhança de um ponto de acesso recebendo dados do satélite, você seria capaz de se conectar com a Outernet em seu celular e ver o Librarian, nosso software de indexação, como se fosse um site offline”, ele diz. “Lá você vai encontrar os dados, armazenados em arquivos.”
Além disso, a Outernet pode também ser usada para transmissões de alertas de emergência, que seriam atualizados várias vezes por hora, em vez de uma vez por semana, como de costume.
O plano não é tão perfeito, no entanto. Mark Newman, da empresa de pesquisa de tecnologia Ovum, disse à BBC:
Quando você começa a pensar nas necessidades das comunidades rurais em mercados em desenvolvimento, eles estarão mais interessados em coisas que impactam suas vidas cotidianas: subsistência, colheitas, clima e assistência médica. Eu questiono se, ao criar conteúdo de forma central e distribui-lo localmente, você vai atender às necessidades locais, tanto em termos de conteúdo e de idioma. O grau de instrução também pode ser um problema. Distribuição por áudio e som – em vez de texto – pode ser algo interessante, porém usaria mais dados.
Um projeto ambicioso
Mesmo assim, um pouco de internet é melhor do que nenhuma internet. Estima-se que, em quinze ou vinte anos, a internet chegue aos mesmos lugares que a Outernet pretende alcançar. Ou seja, a Outernet pode fornecer um serviço substituto valioso até que o acesso à rede convencional esteja disponível em mais lugares.
Para isso, a Outernet tem uma parceria com o Banco Mundial para testar o serviço em julho de 2015 no Sudão do Sul. Se tiver sucesso, nessa mesma época a companhia espera aumentar sua área de cobertura e começar a oferecer receptores, chamados “lanternas”, de sua camapanha no Indiegogo.
Mesmo que o lançamento da Outernet fracasse, ele está longe de ser o único sistema do tipo: dois dos maiores nomes na tecnologia já colocaram sua influência em estratégias similares. O Projeto Loon, do Google, teria frotas de balões de altitude levando sinais 3G da estratosfera para as regiões mais remotas da Terra. O Internet.org do Facebook, por sua vez, imagina enxames de drones e satélites com a mesma função. Há rumores de que até a SpaceX, do bilionário Elon Musk, está construindo uma frota de satélites para levar a internet até os cantos mais distantes do globo.
Com essas iniciativas, a internet está prestes a se tornar um fenômeno realmente global, incluindo o terceito mundo.
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