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Governo
quer difundir softwares "genéricos"
Num mercado que movimenta US$ 8 bilhões por ano, um gigantesco cliente
tem R$ 5 bilhões para gastar nos próximos anos e quer assegurar o
direito de decidir que produto vai comprar. Tem à frente um fornecedor
que, sozinho, domina o mercado mundial - em até 90%, com alguns produtos.
O governo federal iniciou este ano a
discussão sobre o uso de softwares livres, programas de computador
"genéricos", como os remédios. Eles executam as mesmas tarefas
que os programas de marca, mas, como não pagam royalties, ou direitos
autorais, saem quase de graça para o usuário.
A medida pode ter repercussões muito além
da máquina pública, porque, além de usar em seus próprios
computadores, a administração federal pretende iniciar a difusão por
todo o Brasil de centros públicos de uso gratuito de computadores em
rede, com acesso à Internet. E, seguida a meta inicial do plano, esses
mais de mil centros de promoção da "inclusão digital", como
se denomina a garantia de acesso aos computadores e à internet, devem
usar esses programas genéricos.
"É uma discussão ampla. Trata-se,
na verdade, de uma decisão do modelo de negócios que queremos para o
Brasil", afirma Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação (ITI), a autarquia que coordena todo esse
debate. Ele se refere à distinção entre a prática dominante no mercado
de licenciar os seus produtos (é como se o cliente alugasse o software) e
um novo perfil de empresa que cobra pouco ou nada pelo programa e tem seus
ganhos com a sua instalação e a manutenção.
Hoje, as empresas brasileiras de software
abocanham menos de 20% dos US$ 8 bilhões anuais que esse mercado
movimenta. A maior fatia do bolo vai mesmo é para o exterior. Só em
direitos autorais, são mais de US$ 1,2 bilhão anuais - o dobro do orçamento
do Fome Zero federal. Para se ter uma idéia, o Brasil teria que duplicar
suas exportações no setor para chegar a ocupar apenas 1% do mercado
mundial, estimado em mais de US$ 200 bilhões.
"É uma oportunidade muito grande
para o país", comemora o empresário Márcio Ellery Girão Barroso,
diretor-presidente da Softex (Sociedade para Promoção da Excelência do
Software Brasileiro). A entidade já iniciou um estudo para descobrir
quanto a participação nacional pode subir com essas novas diretrizes do
governo, um cliente que faz a diferença entre a falência e a
prosperidade de pequenos fornecedores . "As contratações poderão
ser divididas de forma muito mais ampla, baixando os preços e
beneficiando centenas de empresas, em vez de apenas uma", exemplifica
Barroso.
"Só esperamos que, além de uma política
de utilização do software livre, o governo também estabeleça o
incentivo ao desenvolvimento de novos programas, para não asfixiar a indústria
nacional. Temos que garantir um mercado local, uma base sólida para o
setor também ser grande exportador", diz o engenheiro Paulo
Francisco de Vilhena Toledo, presidente da Brisa (Sociedade para o
Desenvolvimento da Tecnologia da Informação), que congrega empresas do
setor de informática e eletrônica. Ele cobra uma definição da política
de desenvolvimento tecnológico do novo governo: "É preciso
investimento na inteligência brasileira. Hoje a balança comercial no
setor, entre equipamentos e software, registra um déficit de US$ 8 bilhões.
Sem uma política adequada, esse número pode chegar a US$ 20 bilhões".
Decisão de governo
A discussão sobre tornar o uso dos programas genéricos uma decisão
de governo é levada pela Câmara de Implementação de Software Livre, um
fórum coordenado pelo ITI com a participação de 30 órgãos do governo,
entre ministérios e secretarias.
O gasto com informática numa empresa
comum se reduz em mais de 10% apenas com a eliminação das licenças. Sem
falar na economia com manutenção, que pode passar a ser feita na própria
empresa, e com o próprio equipamento, já que o software livre costuma
exigir máquinas bem menos potentes para funcionar. Nos telecentros da
Prefeitura de São Paulo, a economia, apenas com o software, beira os R$
15 milhões. Sem os programas, os 1,6 mil computadores para 80 unidades do
projeto custaram pouco mais de 10% desse valor.
Além do preço, há uma questão técnica
crucial para os especialistas: os programas licenciados, em geral, não
permitem acesso ao chamado código-fonte, ou seja, o conjunto de instruções
que o computador lê para executar o programa. Assim, quando há algum
problema, a única coisa a fazer é aguardar a chegada de um representante
da empresa proprietária do programa. Só ele pode descobrir o que falhou.
Em sistemas de precisão, onde um deslize
pode ser fatal, como aeroportos, por exemplo, isso pode causar problemas.
"Quando enviamos informação, precisamos ter certeza de que ela vai
chegar ao lugar certo, para a pessoa certa e para mais ninguém. O
software livre nos permite essa segurança, porque temos pleno acesso a
seu código", explica uma fonte militar. As restrições orçamentárias
também foram decisivas para setores da Marinha e da Aeronáutica
iniciarem o uso de programas livres.
O ITI promoveu em junho a 1ª Rodada de
Compartilhamento de Software Livre na Administração Pública, onde se
apresentaram 13 iniciativas diferentes, em curso em todos os níveis de
governo. De empresas de Processamento de Dados à Prefeitura da pequena
Rio das Ostras (RJ), passando pela Marinha, o Banco do Brasil e o
Instituto Nacional de Meteorologia. "A idéia é caminhar para um
consenso", diz o presidente do ITI.
A referência brasileira no uso do
software livre na administração pública é o Rio Grande do Sul. Um dos
responsáveis pela experiência, Rogério Santanna, responde hoje pela
Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), no Ministério
do Planejamento. Santanna negocia atualmente a renovação das licenças
para os softwares que equipam mais de 90% dos computadores do governo
federal. O processo de pechincha em andamento pode poupar mais de R$ 100
milhões aos cofres públicos.
O trabalho também envolve a conscientização
dos administradores. Até o governo anterior, eram comuns licitações
que, na descrição do computador a ser comprado, exigiam um determinado
sistema operacional ou programa. "Não é proibição. É uma questão
de seguir a lei. Se existem alternativas no mercado, precisamos garantir a
concorrência", explica o secretário-adjunto da SLTI, Rodrigo Assunção.
Ele também foi um dos responsáveis pela experiência paulistana de
inclusão digital, na coordenação do projeto Sampa.org.
Agência Brasil
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