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Jornadas
no espaço
Europa
se inspira na ficção científica para entrar
na corrida pela conquista do Universo
Lia Vasconcelos
A corrida espacial não tem fim. Fascinado pelos mistérios do Universo e em
constante busca por sinais de vida, o ser humano não mede esforços em estender
seus domínios pelo cosmo. Para aproveitar a menor distância entre Marte e a
Terra dos últimos 60 mil anos, neste exato instante há quatro sondas a caminho
do planeta vermelho. Marte sempre alimentou o mundo das ilusões. É para a Lua,
no entanto, que viaja a grande estrela da corrida espacial. No dia 3 de
setembro, a Agência Espacial Européia
(ESA) lança sua primeira missão rumo ao satélite terrestre usando a energia
do Sol como combustível, um velho sonho da ficção científica.
O objetivo da missão não tripulada é fazer um mapeamento para decifrar as
origens da Lua. Do tamanho de uma máquina de lavar roupas, a
nave Smart-1, sigla que significa missão miniatura para pesquisa tecnológica,
viajará cerca de 400 mil quilômetros usando o revolucionário motor de íons,
que deixaria roxo de inveja o capitão Kirk, da série Jornada nas estrelas.
A propulsão de íons é dez vezes mais eficiente do que os foguetes
tradicionais, que queimam combustível. “Os elétrons são forçados a entrar
numa câmara que os faz colidir no gás xenônio. O resultado é a criação de
um feixe elétrico que impulsiona a nave”, explica Marcomede Rangel, físico
do Observatório Nacional. Os íons, átomos com excesso ou falta de carga elétrica,
são acelerados eletricamente até atingirem uma velocidade de dez mil quilômetros
por hora.
A grande vantagem dessa tecnologia é que no vácuo a força se
acumula ao longo do tempo, o que permitiria viagens longas pelo
cosmo. Seu defeito é a baixa velocidade inicial. Enquanto as missões
americanas Apollo levam cerca de três dias para chegar à Lua, a européia
Smart-1 vai viajar 16 meses. Em compensação, ela é capaz
de reduzir em anos o tempo de viagem para planetas mais longínquos como Marte.
Esse sistema de propulsão não é inédito, já foi testado
pela agência espacial americana Nasa.
Desde 1969, quando Neil Armstrong deu seus primeiros passos, nunca mais se
voltou à Lua. Houve quem dissesse que ela perdera o glamour
do ineditismo. A sonda européia parte agora em busca de gelo nas crateras próximas
aos pólos e deve fornecer dados sobre a ainda incerta origem do satélite da
Terra, além de mapear os minerais e outros elementos químicos em sua superfície.
A nave custou R$ 330 milhões, relativamente pouco para uma missão desse porte.
Além da Europa, estão de olho na Lua a China, que pretende enviar uma missão
tripulada ainda sem data definida, e a Índia, que manda para lá, até 2008,
uma sonda de meia tonelada.
“Tamanho interesse se explica porque a Lua é um trampolim que serviria de
base de lançamento ao espaço. Para explorar seus recursos naturais é preciso
achar água, de onde se extrairia oxigênio para respirar e hidrogênio para o
combustível dos foguetes”, diz Rangel. Bernard Foing, cientista da ESA, vai
mais longe. Ele aposta que a Smart-1 é o primeiro passo da colonização da
Lua, que deve ocorrer em 20 anos.
Segredos – Enquanto não se chega ao satélite da Terra,
os cientistas americanos descobriram muitas outras luas orbitando planetas como
Urano, Netuno e Saturno, que tem 61 luas. Achados como esses são fundamentais
para a astronomia, uma vez que as luas guardam segredos sobre a infância do
sistema solar. São como uma janela para o passado, para 4,5 bilhões de anos
atrás, quando os planetas se formaram.
Não é só o brilho da Lua que atiça a curiosidade dos terráqueos. Marte
desperta especial interesse neste período do ano. Na quinta-feira 28, o planeta
vermelho e a Terra estarão perfeitamente alinhados do mesmo lado do Sol. Desde
junho, o planeta está mais brilhante e vermelho do que o normal e é fácil
localizá-lo no céu, já que ele é o objeto mais luminoso depois da Lua. Para
observar o evento, conhecido como oposição, basta torcer para o céu estar
limpo e olhar para o leste, onde nasce o Sol. A distância que separa Marte da
Terra, normalmente de 75 milhões de quilômetros, será de 55,76 milhões de
quilômetros. A última vez que os planetas estiveram tão próximos foi em
57.587 antes de Cristo. A menor distância entre os planetas será em 2.729.
O interesse por Marte vai além da mera observação. Impulsionadas pela
proximidade do astro, há no momento quatro sondas espaciais a caminho do
planeta: a MER-1 e a MER-2, ambas da Nasa, que levam a bordo os jipes robôs Espírito
e Oportunidade; a européia Mars Express, que carrega o robô Beagle 2, que
aterrisa na virada do ano; e a japonesa Nozomi, lançada em 1998, que deverá
chegar a Marte em dezembro,
com mais de quatro anos de atraso.
Ao todo, nos últimos 40 anos, mais de 30 missões foram enviadas ao planeta
vermelho, principalmente pelos Estados Unidos e pela União Soviética, atual Rússia.
Embora pareça inóspito, Marte é o planeta mais propício à vida no sistema
solar. O objetivo das missões espaciais é buscar evidências científicas de
vida no planeta. “No passado, Marte era muito diferente. Era mais quente,
tinha a atmosfera mais espessa e água líquida”, afirma Enos Picazzio, astrônomo
do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade
de São Paulo. “Quando falamos em água, falamos em vida. Claro que não em
vida inteligente, mas em formas simples como vegetais e fungos”, completa.
Os indícios de vida em Marte despertam polêmica. Num estudo publicado na
revista científica Science da semana passada, cientistas americanos
analisaram dados da sonda Mars Global Surveyor, coletados desde 1997, e
revelaram que nunca houve oceanos sob a superfície marciana. A conclusão
definitiva sobre esse e outros mistérios só virá quando as atuais missões
chegarem ao planeta vermelho, na virada do ano
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