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Cientistas criam biofilme comestível
de alta qualidade protéica à base de amaranto
Para as pessoas que
não têm tempo nem de desembrulhar uma fruta daquele papel filme grudento para
comê-la durante o trabalho, eis uma solução: por que não comer junto com o
papel? Mas não se trata do tradicional papel filme sintético que estamos
acostumados a usar na cozinha, e sim de um biofilme à base de farinha de
amaranto. Além de o novo produto ser biodegradável e não agredir o meio
ambiente, ele é barato, tem elevada qualidade protéica e pode ser ingerido
pelo consumidor sem lhe fazer mal.
Os materiais sintéticos
causam sérios danos ao ambiente por não se degradarem. Nem todos podem ser
reciclados e alguns perdem parte de suas propriedades nesse processo -- ou são
queimados, provocando poluição atmosférica, ou se acumulam em aterros sanitários.
Em vista desse problema, uma equipe do Laboratório de Engenharia de Processos
da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp/SP), começou a estudar a produção de um biofilme a partir
do amaranto.
"Percebemos
que, principalmente no Terceiro Mundo, o uso de filmes sintéticos pode provocar
uma situação ainda pior, mesmo que o consumo possa ser menor, já que esses países
não possuem meios eficientes de remoção de resíduos da natureza",
alerta a química argentina Florencia Cecilia Menegalli, orientadora da pesquisa
das pós-graduandas Delia Rita Tapia Blácido e Eliane Colla. "Como não são
biodegradáveis, a vida média dos materiais sintéticos na natureza pode ser de
até 500 anos", completa.
Considerado um
pseudocereal (pois possui características diferentes dos cereais, como o grão
muito pequeno) de rico valor nutritivo, o amaranto foi bastante cultivado por
povos andinos (ele era sagrado para os maias, astecas e incas), sendo abandonado
com a chegada dos espanhóis à América e substituído por outras culturas de
origem européia. O cultivo voltou somente nos anos 90, quando os Estados Unidos
criaram um instituto voltado exclusivamente para estudar o alimento.
"É uma
necessidade mundial buscar alimentos como novas fontes nutricionais", diz a
peruana Delia Rita Tapia Blácido. Ela trouxe da cidade de Huaraz, no Peru, a
espécie Amaranthus caudatus para realizar a pesquisa, que consistiu em
determinar a metodologia de extração da farinha, de obtenção do filme e por
meio de planejamentos estatísticos foi obtido a formulação ideal do filme.
Essa primeira etapa
da pesquisa, que permitiu a descoberta do biofilme, terminou em março deste
ano. "Foram doze meses de pesquisa", explica Delia Tapia. Assim,
pesquisadores da Embrapa-Planaltina, em Brasília, iniciaram um grande esforço
técnico e científico com o fim de adaptar espécies andinas aos solos dos
cerrados brasileiros, e uma destas foi a espécie Amaranthus caudatus,
transformada em Amaranthus cruentus. Hoje, a equipe trabalha com essa espécie.
Os biofilmes podem
ser produzidos a partir de polissacarídeos (celulose, carboidrato, gomas etc.)
e proteínas (gelatina, glúten etc.), cujas cadeias longas são capazes de
produzir matrizes contínuas que darão estrutura ao filme. No caso do amaranto,
os grãos são triturados em solução alcalina e depois peneirados para se
extrair a fibra (por não ser um polímero solúvel, é incapaz de formar
estrutura).
Após a filtragem,
neutraliza-se a solução para se obter a farinha do amaranto, composta
basicamente de amido, proteína e lipídios. Para formar os filmes, essa solução
é submetida a um processo térmico para sua gelatinização, adicionando-se
agentes reguladores de pH e plasticizantes para aumentar a flexibilidade do
filme. Finalmente, as misturas são colocadas em suportes e secas.
Vantagens e
desvantagens
"O grão do
amaranto apresenta-se como uma matéria prima interessante para a elaboração
de biofilmes, pelo seu conteúdo em amido, proteína e lipídios", explica
Menegalli. "O amido do amaranto tem algumas características especiais,
como o grânulo de pequeno diâmetro -- 1 a 3 micrômetros, enquanto o da batata
é de 100 --, conferindo alta transparência ao filme", completa.
A proteína do
amaranto tem quase todos os aminoácidos essenciais para a alimentação humana,
como a lisina (fator primordial para o desenvolvimento orgânico mental do
homem) e a metionina. Já o lipídio, apesar de não apresentar propriedade de
formar rede, é apolar (hidrofóbico), isto é, não se mistura com a água (ao
contrário do amido e da proteína), o que permite reduzir a permeabilidade do
filme.
"Assim, o filme
pode ser usado para embalar alimentos frescos. Em frutas, por exemplo, ele
funciona como uma barreira que não deixa a umidade dela passar para o ambiente.
Já se ela for seca, evita a reidratação do alimento", diz Delia Tapia.
"Com isso, conseguimos aumentar a vida útil do alimento".
Porém, como os
biopolímeros (amido e proteína) usados são hidrofílicos (misturam-se com a
água), os filmes se tornam materiais parcialmente solúveis. "Agora, o
desafio é aumentar a resistência mecânica do filme sem alterar suas boas
propriedades de barreira ao vapor d’água e ao oxigênio", diz Menegalli.
"Por enquanto, ele é adequado para ser aplicado como cobertura,
diretamente sobre a superfície de alimentos."
Assim, a segunda
fase da pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (Fapesp) e em parceria com a Universidade de São Paulo
(USP/Pirassununga) por intermédio do professor Paulo do Amaral Sobral,
co-orientador da pesquisa, será adicionar biopolímeros à farinha de amaranto
para aumentar a resistência. Delia Tapia explica que, nesse produto, há 15% de
proteínas, e é este percentual que ela buscará aumentar. Já Eliane Colla
deverá adicionar outros lipídios para melhorar ainda mais as propriedades de
barreira, diminuindo a permeabilidade.
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