Science Beat
Berkeley Lab
Os cientistas estão cada vez mais perto de uma cura para lesões
da medula espinhal, graças a uma equipe de pesquisa que utilizou a
Fonte de Luz Avançada (Advanced Light Source, ALS) do Laboratório
Berkeley para determinar a estrutura de uma proteína que impede que
os neurônios se restaurem.
A proteína é chamada de receptor Nogo ["não vai"],
porque se liga a várias outras proteínas que bloqueiam o
crescimento neural. Ela é encontrada na superfície de fibras finas
chamadas axônios, que transportam informação entre os neurônios
no cérebro e na medula. Os pesquisadores acreditam que se
conseguirem bloquear por meio de drogas a interação entre o
receptor Nogo e essas proteínas inibidoras de crescimento, os neurônios
seccionados poderão voltar a se fundir, e pessoas paralisadas poderão
caminhar novamente.
Embora ainda esteja a anos de distância, essa farmacoterapia começa
pela compreensão átomo por átomo de como o receptor Nogo se liga
às proteínas inibidoras, e isso começa por uma visão detalhada
do próprio receptor. Para iniciar essa investigação,
pesquisadores do Laboratório Berkeley, da Escola de Medicina da
Universidade Stanford e da Escola de Medicina de Harvard
desenvolveram uma imagem com resolução de 1,5 angström do
receptor Nogo. (Um angström equivale a um décimo-bilionésimo de
metro.)
"Esse é um passo importante", diz Gerry McDermott,
cientista da Divisão de Biociências Físicas do Laboratório
Berkeley. "É a primeira vez que o receptor Nogo é determinado
estruturalmente nessa resolução, e define um patamar para novas
pesquisas que poderão levar ao desenvolvimento de drogas."
Ao contrário da maioria das células, os neurônios na espinha e no
cérebro perdem sua capacidade de se regenerar pouco depois que as
pessoas atingem a idade adulta. Sua incapacidade de crescer parece
surgir quando os axônios desenvolvem uma camada gordurosa isolante
chamada mielina.
Além de melhorar o fluxo de impulsos nervosos entre os neurônios,
alguns cientistas acreditam que a mielina fixa a rede neural
totalmente formada de um adulto, evitando o desenvolvimento de novos
circuitos potencialmente prejudiciais. Normalmente, os adultos saudáveis
possuem todos os neurônios de que precisarão.
Mas isso quer dizer que os neurônios não podem se regenerar quando
são danificados por traumas, derrames ou doenças como a esclerose
múltipla. Para saber como religar os neurônios seccionados, os
pesquisadores passaram os últimos anos à procura das proteínas
que bloqueiam seu crescimento. Em 2000, uma equipe de cientistas
determinou que a proteína Nogo, que se liga à mielina, tem um
papel chave na inibição da regeneração dos axônios. Um ano
depois, a mesma equipe encontrou seu parceiro -um receptor
localizado nos axônios que se liga à proteína Nogo e permite que
ela faça seu trabalho. Desde então, muito mais se descobriu sobre
o receptor Nogo. Não apenas ele se liga à proteína Nogo como também
a pelo menos duas outras proteínas inibidoras de crescimento.
"Essas três proteínas podem bloquear o crescimento dos neurônios,
e são estruturalmente diferentes", diz McDermott. "Isso
significa que temos de compreender o mecanismo de ligação de cada
proteína para podermos desenvolver maneiras de impedir sua interação."
Como parte dessa investigação, Christopher Garcia e sua equipe, da
Escola de Medicina da Universidade Stanford, cristalizaram o
receptor e recorreram ao ALS do Laboratório Berkeley, onde o
expuseram a raios X extremamente fortes, que revelam a estrutura
molecular do receptor. Com uma resolução de 1,5 angström, a
estranha forma do receptor entra em foco -uma molécula curva com
uma espinha e uma barriga. Além disso, a parte côncava da molécula
parece abrigar um rico local de ligação capaz de se unir a uma
ampla gama de proteínas.
Embora a imagem não revele precisamente como o receptor se liga a
tantas proteínas, ela constitui a base para novas pesquisas que
poderão chegar a isso.
"Temos a estrutura inicial, e agora precisamos ver como as
proteínas inibidoras de crescimento se ligam a ela", diz
McDermott. "Esse trabalho ajudará a determinar o caminho
farmacêutico para restabelecer o crescimento dos neurônios."
Para isso, a equipe vai cristalizar o receptor na presença das três
proteínas, e novamente usar o ALS para visualizar exatamente como o
receptor se entrelaça com cada uma. Com essa informação, os
pesquisadores poderão desenvolver peptídeos sintéticos que se
liguem ao receptor exatamente na mesma configuração de cada proteína
inibidora de crescimento, criando uma capa que tornará o receptor
inerte.
Essa terapia com drogas não está muito distante. No ano passado,
uma equipe da Universidade Yale desenvolveu um peptídeo que
bloqueia a interação entre o receptor Nogo e a proteína Nogo, o
que desencadeou o crescimento de fibras nervosas em ratos. Um êxito
semelhante em pessoas talvez ainda demore alguns anos, mas uma onda
crescente de pesquisa, como a visão em close-up do receptor Nogo,
está ajudando os cientistas a se concentrar em um tratamento para
os cerca de 11 mil americanos que sofrem de lesões na medula por
ano.
O trabalho de cristalografia de raios X foi conduzido na linha de
feixes 8.2.1 da ALS, que é financiada pelo Instituto Médico Howard
Hughes. Além de McDermott e Garcia, Xiaolin Li e Fernando Bazan, da
Escola de Medicina da Universidade Stanford, Kevin Wang da Escola de
Medicina de Harvard e Marc Tressier-Lavigne da Universidade Stanford
contribuíram para a pesquisa.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves