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Portuguesa lança
dicionário de "internetês"
Jair Rattner
Para um brasileiro, qual é o significado de
"telemóvel"? E de "labregolândia"? São termos que
foram criados pelos usuários da Internet e dos celulares portugueses e
que se encontram no Dicionário da Internet e do Telemóvel, recém-lançado
em Portugal.
"Telemóvel" significa telefone celular e "labregolândia"
quer dizer um site de humor, palavra formada a partir do termo "labrego",
que quer dizer caipira. O dicionário, de autoria da portuguesa Joviana
Benedito, faz um levantamento de termos e abreviaturas recolhidos através
da rede e de termos usados em mensagens de celulares.
Por exemplo, uma pessoa que puxa pelos seus "galões eletrônicos"
não está arrastando litros de material através da rede, mas mostrando
que sabe muito e tem muita experiência na Internet ¿ o termo "galão"
vem dos enfeites das fardas dos militares. "Não é que isso seja uma
nova linguagem, mas é um código, como o de Morse ou os códigos
regionais, como o mirandês", afirmou Joviana à BBC Brasil,
referindo-se ao dialeto que é falado na região portuguesa de Miranda do
Douro e foi reconhecido como a segunda língua oficial de Portugal.
Telemoitar
Se disserem que alguém está "a telemoitar", significa que
está ocorrendo uma conversa íntima pelo telefone, que pode chegar à
satisfação de desejos sexuais. A utilização da Internet permitiu até
que se espalhassem termos de origem africana que não eram utilizados fora
das comunidades de habitantes das ex-colônias existentes em Portugal. A
palavrá "bué" é uma delas, com o significado de muito, sempre
no sentido positivo.
Joviana, que é professora de português, começou a recolher termos há
oito anos, quando foi trabalhar na biblioteca de uma escola de segundo
grau, onde havia computadores ligados à Internet. "Comecei a ver que
aquela linguagem não era a língua portuguesa padrão. Então comecei a
anotar frases, expressões, abreviaturas, e quando já tinha quatro
cadernos cheios comecei a pensar que isso poderia resultar em uma coisa
maior."
Entrando nas salas de chats, ela notou que os especialistas da lingüística
não tinham prestado atenção nesses termos e resolveu reunir as palavras
e as abreviaturas da rede. A opção por publicar veio do fato de que, em
Portugal, nenhum dicionário existente menciona as palavras usadas na
Internet. "O próprio dicionário da Academia das Ciências de
Portugal tem apenas três termos começados por ciber-, quando há muitos
desses termos", comenta, citando o mais recente dicionário português,
lançado em 2002.
Regulador Na opinião de Joviana, deveria haver um organismo
regulador da língua, a exemplo do que acontece na Espanha e na França.
"Os nossos termos entram na língua portuguesa e ficam em autogestão.
Se houver muita força, pode por exemplo desaparecer o printar e usar-se o
imprimir. Algumas palavras terão um percurso de vida como
estrangeirismos. Outras serão aportuguesadas e outras entram, permanecem
algum tempo e depois morrem".
Apesar da inexistência do regulador, Joviana acredita que a entrada de
novos termos para o português de Portugal não contribui para separar a
variante portuguesa da variante brasileira do idioma. "Penso que a língua
está bem solidificada cá e lá, e já existem tantas variantes que,
mesmo pensando que a Internet tem muita força, isso não vai
desestruturar a língua".
Opinião semelhante tem o especialista Justino Mendes de Almeida, da
classe de letras da Academia das Ciências de Lisboa ¿ órgão que tem
funções semelhantes às da Academia Brasileira de Letras, em relação
à língua. "Isso contribui para enriquecer a língua
portuguesa", afirmou Almeida. "Entendemo-nos de um lado e do
outro, qualquer que seja o vocabulário que usemos. Há termos que se usam
no Porto e que em Lisboa não são usados nem entendidos e
vice-versa".
O Dicionário da Internet e do Telemóvel é o terceiro livro sobre o
assunto publicado por Joviana. Seu próximo projeto também é ligado à
Internet, mas em relação a laços amorosos. "O que há agora é um
intercâmbio amoroso que ainda está por desvendar. Mas não há estatísticas,
porque na Internet tudo pode ser mentira", conclui.
BBC Brasil
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