Eleitores espanhóis usam
celular para votar
PALOMA VARÓN
free-lance para a Folha de S.Paulo
Apenas três dias após os atentados de 11 de março deste ano, ocorridos em
estações de trem em Madri, na Espanha, os cidadãos espanhóis foram
convocados a votar na eleição geral, na qual foi escolhido o atual
primeiro-ministro, José Luis Rodríguez Zapatero.
Em Jun (pronuncia-se "run"), uma pequena cidade no sul do país,
localizada na Andaluzia, a 1,5 km de Granada (onde nasceu o escritor e
dramaturgo Federico García Lorca, 1898-1936), os cidadãos votaram também no
governador da Andaluzia. Mas, diferentemente de seus compatriotas, os cidadãos
junenses puderam escolher entre várias formas de votar. Grande parte nem
precisou ir ao local de votação: o voto foi transmitido por celular (usando o
serviço de mensagens de texto curtas) ou por e-mail.
Em Jun (www.ayuntamientojun.org),
pioneira na Europa no voto eletrônico a distância, a participação dos
eleitores foi grande, 81%, número superior à média do país --onde o voto não
é obrigatório. O feito chamou a atenção do primeiro-ministro Zapatero --que
quer expandir a experiência no país--, assim como da organização do 5º Fórum
Mundial de E-Democracia (www.issy.com/statiques/e-democratie/index_EN.htm),
que acontece no mês que vem, em Paris.
Com pouco mais de 2.000 habitantes, Jun está, ao lado da olímpica Atenas (Grécia)
--onde nasceu a democracia-- e de Florença (Itália) --uma capital cultural--,
na linha de frente da Teledemocracia Ativa, que consiste na declaração da
internet como um direito fundamental do cidadão.
Essas cidades foram escolhidas no ano passado pelo programa Eupólis, que
desenvolve projetos na Europa para fazer convergir alfabetização digital com
democracia e participação popular.
Na votação em Jun, os eleitores eram identificados por um chip e todos os
votantes tinham sua assinatura eletrônica, assim como uma identidade eletrônica,
para evitar fraudes. Um minuto depois de encerradas as eleições, o resultado já
era conhecido.
Assinatura eletrônica
A assinatura eletrônica é expedida pela Fábrica Nacional de Moeda e Timbre,
que emite o dinheiro do país, e só pode ser solicitada pelo usuário. A
assinatura é descarregada em um chip criptografado, que o cidadão usa como se
fosse um cartão de crédito.
"Em Jun, todos os habitantes têm assinatura eletrônica, não só para
votar mas para cumprir qualquer trâmite administrativo. Eles não precisam
pegar filas nem ir a guichês de atendimento", diz o vice-prefeito José
Antonio Rodriguez Salas, que é também representante de novas tecnologias da
Federação Andaluza de Municípios e Províncias.
"A Declaração da Internet e da Sociedade de Informação, assinada em
dezembro de 1999, estabelece a internet como um direito universal, como o
direito à educação", diz Rodríguez Salas.
Há quatro anos, quando Jun entrou de cabeça no ciberespaço, María Isabel,
78, proveniente de uma família rural, era analfabeta. Para aprender a lidar com
computadores, ela aprendeu também a ler e escrever e hoje se comunica com
pessoas de todo o mundo --inclusive deu entrevista à Folha por e-mail.
"A internet foi muito importante para mim, porque antes eu não saía
muito; agora, além de ter o mundo em casa, me tornei mais sociável, saio mais
de casa. Minha mente se abriu, apesar da minha idade e das dificuldades da minha
vida", conta.
O treinamento começou com os habitantes mais velhos, que eram os que
teoricamente poderiam apresentar maior resistência. Depois de algumas adaptações,
como o aumento do tamanho da tela, todos foram instruídos no uso do computador.
"Mas a principal mudança social foi a confiança nas instituições. Eles
agora participam efetivamente da vida social e política da cidade, não só a
cada quatro anos", afirma Rodríguez Salas.
Reuniões do orçamento participativo e assembléias municipais são realizadas
on-line. Mesmo as crianças podem participar, enviando e-mails e sugestões que
entram na ordem do dia.
No site da prefeitura encontra-se também uma agência de empregos, que atraiu
novos moradores a Jun. A maioria dos habitantes da cidade se conecta à internet
por sistema sem fio. Desde 2000, a telefonia sobre IP vem se desenvolvendo em
Jun, através da rede Wi-Fi, considerada das mais seguras da Europa. A rede
possibilita que todos os pontos do município estejam conectados, o que serve
tanto para realizar chamadas externas como para comunicar problemas locais à
prefeitura.
Segundo Rodriguez Salas, até hoje não houve caso de violação da rede Wi-Fi
de Jun.
Para que a cidade não ficasse isolada numa Espanha em que apenas 21% da população
tem acesso à internet, o município começa a multiplicar sua experiência no
projeto Interville (www.interville.org),
para 50 municípios andaluzes com menos de 5.000 habitantes --nos quais a informática
dificilmente entraria sem uma ação específica.
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