Percorrer a cidade com um carro de som e avisar
quem morreu e qual o horário do enterro. Parece estranho? Não na
pacata Américo Brasiliense, com seus 26,5 mil habitantes, cidade ao
lado de Araraquara, no interior de São Paulo. Lá, o serviço virou
tradição. E esse trabalho tem nome, sobrenome e apelido: Ângelo Faes,
o Pingo D'Água, 56 anos, também conhecido como o "anunciante de
velório".
Hoje Pingo D'Água não se intimida diante do microfone e circula
pela cidade avisando a hora dos enterros. Mas, até os 8 anos, uma
doença respiratória o impediu de falar. Conta a lenda narrada pelo
próprio personagem que, um dia, ele pegou escondido o microfone de
um vendedor de biscoitos e, de repente, a voz saiu: ele falava pela
primeira vez. Até o dia em que resolveu anunciar velório, Pingo se
aventurou como palhaço de circo, locutor de rádio, cantor e
compositor de música sertaneja.
De onde saiu a idéia de anunciar velório? Pingo lembra que
assistiu a um filme, no qual um carro de som percorria a cidade
dando o toque de recolher. "O pessoal prestava atenção", conta.
Então, resolveu adaptar a idéia. Pegou uma pasta e saiu vendendo
propaganda para mercados, quitandas e açougues. No entanto, o
objetivo era avisar as pessoas sobre a morte de colegas. Arriscou e
deu certo.
Hoje é um Gol, modelo antigo, mas, na época, era uma Belina, ano
71, que espalhava a música instrumental "Silêncio" - cujo autor ele
desconhece - como pano de fundo dos anúncios. Pingo D'Água passou
por uma infinidade de situações estranhas. Em uma delas, conta já
ter avisado sobre a morte de uma pessoa ainda viva.
Uma turma de catadores de laranja pagou pelo serviço para
anunciar que um dos colegas havia sido assassinado. Ele correu e foi
buscar os dados pessoais do morto. "Peguei o nome com o policial e
comecei a rodar a cidade. Só depois descobri que o cara que morreu
tinha roubado o documento de outro e ninguém sabia. Encontrei o
verdadeiro, que não ficou bravo, mas riu muito da situação".
Ele lembra de um senhor que foi com o filho contratá-lo para
avisar sobre a morte da mulher, mas o garoto queria falar ao
microfone. "Ela batia em mim e eu quero contar pra todo mundo que
ela morreu", dizia a criança, segundo a memória de Pingo. Entre as
histórias engraçadas, destaca-se a de uma senhora que o contratou
também para procurar a dentadura perdida. "Por incrível que pareça,
eu encontrei três, e uma delas era a verdadeira".
Além de anunciar pelas ruas - o serviço custa R$ 30 por uma hora
-, Pingo D'Água também faz homenagem na hora do enterro. Apesar de
conhecido na cidade e de ser acordado de madrugada para iniciar a
"ronda", segundo o próprio personagem, todos o respeitam e ninguém
passa trote. E calote? Bem, ele admite levar alguns, mas a prática é
incomum.