Jerry Guo
No quarto embolorado dos fundos
de sua loja de antiguidades, junto a uma cópia da
Declaração de Independência americana e uma antiga
máquina de escrever de Ernest Hemingway, John
Reznikoff guarda uma pasta de ouro contendo seu bem
mais valioso.
Dentro de um vidro, o cacho negro parece uma
esponja de aço velha e sem valor. Mas Reznikoff, 48
anos, diz que a preciosidade de US$ 500 mil é muito
mais valiosa: um fio de cabelo de Abraham Lincoln,
coletado no leito de morte do 16º presidente
americano.
Reznikoff explica que as partículas presas ao
cabelo, parecidas com pedaços de ovo em uma
frigideira, são restos cerebrais ressecados. Ele
possui fios de cabelo de inúmeras figuras
históricas, como George Washington, John F. Kennedy,
Napoleão, Beethoven e Chopin.
Embora anuncie com entusiasmo sua coleção de
selos, autógrafos e antigüidades da tradição
americana, que movimentam um negócio de US$10
milhões anuais, Reznikoff é discreto quando o
assunto é sua estimada coleção de cabelos.
Ele não anuncia, vende ou compra cabelos de
pessoas vivas. "Tenho medo de que os clientes não me
levem a sério se me virem vendendo um fio de cabelo
de Charles Dickens," Reznikoff disse.
O que um dia foi um mero passatempo de algumas
dezenas de entusiastas na virada do século XX, se
transformou em uma indústria multimilionária de
colecionadores profissionais e grandes farsantes.
A coleção de cabelos sobreviveu os tempos
modernos, trazendo consigo o ar de bizarrice que
envolve qualquer passatempo relacionado à
perseguição de celebridades, bem como uma série de
controvérsias sobre invasão de privacidade.
Colecionar cabelos teve seu auge na era
vitoriana, quando os notáveis costumavam dar a seus
admiradores fios de seus cabelos, ao invés de
autógrafos.
"Mais do que um autógrafo, era um sinal de
afeto", disse Harry Rubenstein, curador do Museu
Smithsonian de História Americana. Hoje em dia,
pequenos colecionadores se debatem junto a
representantes de grandes casas de leilão como
Sotheby's e Christie's para conseguir restos dos
cachos de Marilyn Monroe (raro), tranças de Audrey
Hepburn (muito raro) e do cabelo de Elvis Presley
(raríssimo).
A demanda é insaciável, disse Brian Marren,
vice-presidente das aquisições da casa de leilão
Mastro, que vende cerca de US$ 100 mil em cabelos
por ano.
"É uma cultura movida a celebridade", Marren
disse, "então qualquer coisa que tenha a ver com uma
celebridade vende". Em outubro, um colecionador
pagou US$ 119,5 mil por um tufo de cabelo de Che
Guevara.
Guerras de leilão ocorreram na disputa pelo
cabelo de Babe Ruth (vendido por US$ 38 mil) e de
John Lennon (US$ 48 mil). Além de parecer um
passatempo um tanto nojento, colecionar cabelos é
também um facilitador da invasão de privacidade,
visto que os colecionadores usam o DNA dos fios de
cabelos para investigar as vidas de celebridades do
passado e do presente.
Será que Lincoln tinha sífilis? Será que
Beethoven transava com prostitutas? Para solucionar
estes mistérios, fãs alucinados e historiadores
obcecados em teorias de conspiração visitam a loja
de Reznikoff, a University Archives, instalada em
uma fábrica reformada.
Lá eles encontram pequenos pedaços das lembranças
foliculares de Reznikoff. Na loja, há uma foto
emoldurada de Elvis depois de adquirir seu famoso
corte estilo soldado, junto a um chumaço de seu
cabelo colado em uma camurça azul.
Em outra moldura, vemos o retrato de Carlos I
(antes de ter a cabeça decepada), do lado de alguns
fios de cabelo coletados de seu caixão (após sua
decapitação).
"Ninguém quer ver apenas um chumaço de cabelo,
por isso precisamos ilustrá-lo com sua história",
Reznikoff disse, no mesmo tom moroso que Martha
Stewart usa para explicar como o macramê é feito.
Seu maior tesouro é guardado em um fichário no
quarto dos fundos. Há uma pasta para cada
celebridade, geralmente cheia de notícias amareladas
e páginas rasgadas de diários dos antigos
colecionadores que tiveram posse do cabelo,
atestando sua autenticidade.
Reznikoff usa equipamentos de imagem
sofisticados, como o comparador espectral de vídeo,
aparelho usado na verificação de passaportes e notas
de dinheiro, e em análises de caligrafia e outras
documentações.
Já os fios de cabelo são guardados em um envelope
liso e de boa qualidade. O conhecimento de
documentos históricos de Reznikoff fez dele um
valioso especialista do Departamento de Justiça, que
já o convocou para ajudar a solucionar casos de
avaliação e fraude, diferenciando-o de outros
pequenos colecionadores de cabelos.
"John é a pessoa mais diligente e inquisitiva que
conheço", disse Louis Mushro, um colecionador. "Ele
não compra algo a menos que tenha certeza de que é
verdadeiro."
Reznikoff descreve os detalhes de sua coleção
como se fossem cartões de Natal de amigos e
familiares. "Este é de John Wilkes Booth," ele diz,
apontando para um chumaço de cabelo arrancado do
assassino momentos antes de sua morte.
"E este é de John Dillinger. Ah, esqueci. Acabei
de adquirir o cabelo de Eva Braun." Quando era aluno
da Universidade de Fordham, Reznikoff ficou obcecado
em colecionar selos e passou a freqüentar feiras de
selos, ao invés de ir para as aulas de Direito.
Ele desistiu da faculdade em 1981, para o choque
de seu pai, um professor de psicologia, e abriu um
negócio de selos, chamado University Archives, uma
sátira ao fato de ter não ter concluído sua
graduação.
A venda de cabelos de celebridades para outros
colecionadores, diz Reznikoff, garante quase o
suficiente para pagar os salários de seus dez
empregados.
Todo ano ele compra três ou quatro novos fios de
cabelo de casas de leilão, pequenos colecionadores e
ocasionalmente de alguma senhora idosa que acabou de
limpar seu sótão.
Grande parte da coleção de cabelos de Reznikoff
foi adquirida de Margaretta Pierrepont, esposa de
Edwards Pierrepont, secretário de Justiça do
presidente Ulysses S. Grant.
Por US$ 100 mil, Reznikoff comprou uma coleção de
cerca de 60 fios de cabelos famosos de Robert White,
um vendedor de materiais de limpeza e também
colecionador de cabeças empalhadas, que adquiriu a
coleção de Pierrepont nos anos 1970.
"Ele tinha a maior coleção de cabelos do mundo",
disse Reznikoff. "Mas ninguém sabia disso." (A
coleção ficava em Baltimore, escondida no porão da
mãe de White.)
Hoje em dia, praticamente qualquer um pode se
tornar um colecionador de cabelos através de sites
como eBay. Embora os cabelos de figuras históricas
da guerra civil americana sejam aquisições
populares, os cabelos de celebridades contemporâneas
também são muito procurados.
Em fevereiro de 2007, quando Britney Spears
raspou a cabeça em um salão em Los Angeles, a
cabeleireira Esther Tognozzi colocou o cabelo da
cantora à venda por US$ 1 milhão em um leilão
online. (Ninguém comprou; segundo Reznikoff, o
cabelo vale cerca de US$ 3,5 mil.)
Embora Reznikoff afirme colecionar sobretudo por
satisfação pessoal, seu passatempo já chegou a
colocá-lo em confusão. Em 2005, ele pagou US$ 3 mil
pelo cabelo de Neil Armstrong, vendido pelo barbeiro
do astronauta.
Armstrong ficou furioso e ameaçou processá-lo.
"Por isso não compro mais cabelos de celebridades
vivas", disse Reznikoff. "Isso remete à imagem de
fanáticos correndo atrás de famosos com uma tesoura
e eu não sou assim."
Alguns críticos afirmam que o passatempo de
colecionar cabelos é um terreno fértil para fraudes.
A organização Cruzada Internacional por Relíquias
Sagradas está pressionando o governo americano a
proibir o comércio de cabelo e outros materiais
humanos no site eBay, alegando que a lei não permite
esse tipo de venda.
Familiares de celebridades contemporâneas também
são contra essas vendas. Outros afirmam que o
passatempo é uma violação do direito básico à
privacidade.
Historiadores já utilizaram testes de DNA em
cabelos adquiridos de colecionadores com o intuito
de comprovar, por exemplo, que Thomas Jefferson
tinha um filho de mãe escrava e que Beethoven sofria
de saturnismo.
Em abril, a Vanity Fair publicou os
resultados de uma investigação de 18 meses
envolvendo Jack Worthington II, um banqueiro que
afirmou ser filho ilegítimo de John F. Kennedy.
Com o DNA de um fio de cabelo fornecido por
Reznikoff, a revista questionou a afirmação de
Worthington. Alguns colecionadores de memórias
deixaram de colecionar cabelos.
"É basicamente uma questão de credibilidade,"
disse Bob Eaton, leiloeiro de autógrafos de
celebridades. "Qualquer um pode pegar um fio de
cabelo e dizer que é do Einstein."
Embora alguns não levem este passatempo a sério,
outros o consideram uma mina de ouro. Em setembro,
Reznikoff vendeu alguns fios de cabelo de George
Washington para a Topps, empresa conhecida por seus
cartões de beisebol, que deflagrou um frenesi com o
anúncio de que três cartões especiais trariam
escondidos os fios de cabelo como parte de um
concurso promocional.
No mesmo mês, Reznikoff vendeu um fio de cabelo
de Beethoven a uma empresa que o incorporou a um
diamante sintético, colocado a leilão por US$ 1
milhão no eBay. (O diamante atraiu 62 lances e foi
vendido por US$ 202 mil.)
Apesar da controvérsia gerada pela coleção de
cabelos, Reznikoff considera o passatempo tão
natural e inocente quanto à sua coleção de carrinhos
e gibis na infância.
"Sempre fui um colecionador", ele disse.
"Acredito mesmo que isso seja genético. Ou você é
colecionador, ou não é." Ao sair do quarto dos
fundos de sua loja, Reznikoff disse: "Estou agora
pensando em colecionar vinhos". Ele então apontou
para uma prateleira de garrafas antigas e
empoeiradas, cortesia da adega de Eduardo VIII.
Tradução: Amy Traduções
The New York Times