Sara Rimer
Sempre que Anne Fishel e sua família conversam sobre comportamentos inadequados durante as refeições familiares, eles voltam ao incidente do Yom Kippur. Há dois anos, 14 pessoas se reuniram à sua mesa de jantar em Newton, Massachusetts, para o fim do jejum de um dos mais solenes feriados judeus.
Enquanto Fishel olhava em volta, parecia que todos - seu marido, seus dois filhos universitários, Gabe e Joe, e seus amigos - estavam saboreando sua comida e compartilhando o sentimento de um importante jantar familiar. Exceto, ela notou, o amigo de faculdade de Gabe. Espere um segundo, o que ele estava fazendo? Olhando furtivamente para baixo, ele estava enviando mensagens de texto clandestinamente - não apenas uma ou duas, mas continuamente, da sopa de abóbora e maçã ao peru assado.
Fishel, que comanda um programa de terapia familiar e de casais no Hospital Geral de Massachusetts, não quis constranger o jovem. Mas outra amiga de Gabe, sentada ao lado do furtivo enviador de mensagens, se manifestou. "Você não deveria estar fazendo isso aqui", ela o condenou, e não com um cochicho. "Por que não?", o amigo rebateu. "Não é nenhum jantar formal ou algo do tipo."
É a anarquia das mensagens de texto, segundo a bisneta de Emily Post, Cindy Post Senning. "As pessoas estão enviando mensagens de texto em todos os lugares", ela disse. Maridos, esposas, filhos e convidados que nunca faltariam com a educação falando ao telefone a uma mesa familiar parecem achar que é perfeitamente aceitável enviar mensagens de texto (ou e-mails, ou Twitter) enquanto comem.
Post Senning está aí para dizer a vocês que não é aceitável. Nem um pouco. O problema é tão novo que seu último livro, Emily Post's Table Manners for Kids (HarperCollins, 2009 - Maneiras à mesa para crianças), escrito com Peggy Post, cobriu o assunto apenas de maneira geral, com uma regra abrangente: "NÃO use o celular ou qualquer aparelho eletrônico à mesa."
Agora, ela considera necessário ponderar sobre o assunto das mensagens de texto com mais especificidade: não envie mensagens de texto à mesa de jantar, particularmente em casa. "A refeição familiar é um evento social", ela disse em entrevista telefônica, "não um evento de ingestão de alimentos." "Tenha consciência de que outros podem ver seus dedos trabalhando mesmo quando eles estão em seu colo", ela escreveu em uma mensagem de e-mail posteriormente, estabelecendo a regra oficial da etiqueta. "Se você está em uma situação na qual sua atenção deveria estar focada em outros, você não deveria estar enviando mensagens de texto." E ela também se refere a e-mails.
"Isso é para você, George d'Arbeloff". Foi o que sua esposa, P.A. d'Arbeloff, disse ao pegá-lo espiando seu iPhone no colo durante um jantar de Ação de Graças em sua casa, no bairro de Jamaica Plain, Boston. "Tentei encará-lo", disse P.A. d'Arbeloff, diretora do Festival de Ciências de Cambridge, Massachusetts, "mas ele estava olhando para baixo."
Ele poderia estar lendo mensagens de e-mail do trabalho ou, possivelmente, checando placares de esportes, admitiu George d'Arbeloff, presidente de uma companhia de laser dentário com sede em Los Angeles. Como a companhia está na costa oeste, as mensagens de e-mail tendem a se acumular enquanto ele se senta para comer.
"Nunca enviei mensagens de texto à mesa", ele disse em entrevista telefônica. "Admito: leio e-mails." Ele pausou, ouvindo sua esposa, que estava no recinto com ele. "P.A. diz que eu envio e-mails." Há alguns meses, uma reunião familiar foi organizada. As gêmeas de sete anos dos d'Arbeloff se manifestaram e o pai concordou em parar de usar seu iPhone durante o jantar. "Estou 95% regenerado", ele disse.
"Talvez as pessoas pensem que podem dividir o tempo: enviando mensagens de texto e conversando ao mesmo tempo", disse Harry Lewis, professor de ciência da computação de Harvard e um dos autores de Blown to Bits: Your Life, Liberty and Happiness After the Digital Explosion (Addison-Wesley, 2008 - Sua vida, liberdade e felicidade após a explosão digital). Tome cuidado, ele diz: você não está enganando ninguém. "Ninguém acha que alguém ao celular pode realmente estar prestando atenção em outra pessoa."
Enviar mensagens de texto durante as refeições se tornou um grande problema para casais em terapia, diz Evan Imber-Black, uma importante terapeuta familiar. E, sim, ela diz, parece que os homens são os que não conseguem se sentar para um jantar por meia hora sem mexer no celular. (O inverso acontece entre os adolescentes, com garotas enviando mensagens de texto o tempo todo.)
"Acho que tem a ver com o desaparecimento de uma fronteira entre trabalho e família, particularmente para os homens em qualquer tipo de negócio que gere temor em não trabalhar praticamente 24 horas por dia", diz Imber-Black, uma das autoras do livro Rituals in Families and Family Therapy (Rituais em famílias e terapia familiar).
O marido de Evvajean Mintz, Richard, sócio de uma firma de advocacia de Boston, se senta à mesa com seu BlackBerry preso na cintura. "Se há um segundo de intervalo e você desvia o olhar, perdendo contato visual, ele imediatamente saca o aparelho e começa a checá-lo," ela disse. "Sugeri jogá-lo pela janela."
Como muitos casais, os Mintz têm visões conflitantes sobre o uso do BlackBerry à mesa. Richard Mintz, que trabalha em meio período aos 87 anos, pensou que fazia isso apenas quando sua esposa estava ocupada - quando, por exemplo, ela ia para outra sala ver televisão por alguns minutos. "Tento não fazer de um jeito que a chateie", Richard Mintz disse. "Acho que não estou indo tão bem quanto deveria."
Outro terapeuta familiar, Peter Fraenkel, diretor do Centro para o Trabalho e a Família do Instituto Ackerman para a Família, em Manhattan, disse que ele recentemente havia atendido um corretor de imóveis e sua esposa, que trabalha como headhunter. O casal tem dois filhos, de 6 e 4 anos. Ela queria duas horas sem o uso de BlackBerry por noite, incluindo o jantar.
Fraenkel disse que fez o marido anotar as mensagens recebidas de e-mail, texto e ligações por duas semanas. Quais tinham que ser respondidas imediatamente, caso contrário um negócio seria perdido? Depois que o marido concluiu que nenhuma das ligações era urgente, Fraenkel disse, ele conseguiu criar uma zona familiar com duas horas livres de BlackBerry.
Quanto a adolescentes e mensagens de texto, diz Danah Boyd, pesquisadora da Microsoft que estuda as maneiras pelas quais os jovens usam tecnologia, eles estão apenas fazendo o que sempre fizeram: passando tempo com os amigos. O celular possibilita levar o círculo social até a mesa de jantar. "Você não precisa realmente se desconectar", ela disse.
Brigid Wright, 17, de Needham, Massachusetts, disse que, como muitos adolescentes, ela aprimorou a habilidade de comer com uma mão e enviar mensagens de texto com outra. Mas, ela disse (e sua família confirma), em casa, ela não envia mensagens de texto à mesa. "Nenhum adolescente quer erguer os olhos da tela brilhante do celular para ver um pai desapontado e de cara fechada do outro lado da mesa", ela disse em mensagem de e-mail.
Boyd tem 31 anos. Às vezes, ela ergue os olhos da tela brilhante de seu iPhone e vê seu marido, Gilad Lotan, designer da Microsoft, fazendo cara feia do outro lado da mesa. "Se estou sentada respondendo mensagens, Gilad poderá dizer: 'Ei, achei que estávamos em um jantar'", ela disse. "E eu digo, 'Mmm, desculpe, já estou acabando."
Ambos levam o iPhone à mesa, ela disse, usando-o como ferramentas de conversação. Se eles estão discutindo uma questão, por exemplo, eles podem usar seus celulares para procurar a resposta. Eles tentam evitar enviar mensagens de texto, ela disse, "se for um jantar no qual estão tentando se entrosar." (Ao contrário de um jantar "no qual nós dois precisamos de comida em nossos sistemas para voltar a trabalhar.")
Não há mensagens de texto ou e-mail à mesa de jantar da casa de Lydia Shire, em Weston, Massachusetts. "Meu filho nunca sonharia em enviar mensagens de texto à mesa", disse Shire, chef e dona de um restaurante em Boston. "E ele também nunca faria isso à mesa de outra pessoa." É verdade, disse o filho de 19 anos, Alex Pineda. Pegar seu BlackBerry Dream seria uma distração da comida maravilhosa de sua mãe e da conversa com ela e seu pai.
Mas ele teve de fato que explicar isso a um amigo que veio jantar há pouco tempo. Assim que se sentaram à mesa, contou Alex, "ele começou a enviar uma mensagem de texto." Felizmente, sua mãe ainda estava ocupada servindo a comida. "Ela não percebeu", Alex disse. "Falei para ele largar o aparelho."
Tradução: Amy Traduções
The New York Times