Brian Stelter
Quando uma gotícula de água cai gentilmente em uma poça, o processo é subsumido em uma série espetacular - e quase invisível - de etapas. A gotícula dança ao longo da superfície da água, e se divide em partes cada vez menores até que seja integralmente absorvida.
A olho nu, isso tudo surge como apenas um ligeiro tremor no limite da água. Mas visto por uma câmera de alta velocidade, o processe se assemelha a uma bola de basquete quicando em câmera ultralenta.
"Isso vai deixá-los sem fala", se gabou Matt Kearney, especialista em obtenção de imagens em alta velocidade ao exibir o vídeo sobre a gota e a poça.
Quando Kearney acionou o vídeo, uma tela de TV portátil exibiu a gota que caiu de uma seringa hipodérmica se dividindo em seis gotículas menores antes que a poça as absorvesse por inteiro. "Isso acontece em cada poça de água que cada temporal causa", ele disse. Quem observar uma poça atentamente depois de ver o vídeo, ele afirma, pode perceber o processo.
Kearney ajudou a gravar essas imagens para Time Warp, uma série de televisão do Discovery Channel que aplica métodos de registro de imagens em alta velocidade a uma sequência de eventos naturais. Kearney é um dos apresentadores do programa.
Cientistas já haviam documentado esse efeito em laboratório anteriormente, mas apenas com imagens estáticas de baixa resolução, e não em vídeo de alta resolução. Assim, quando John Bush, professor de matemática aplicada no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), visitou o estúdio de Time Warp, em Boston, no mês passado, para exibir o fenômeno diante das câmeras de alta definição, saiu altamente impressionado. "Nunca vi nada parecido", ele declarou em entrevista posterior.
As câmeras de alta velocidade, acrescentou, "estão basicamente dando vida a um mundo rápido demais para que possamos observá-lo".
Esse tipo de câmera vem sendo usado há anos em pesquisas, algumas das quais de ordem bastante prática, como o registro de testes de colisão de veículos. Apenas recentemente, porém, essa ferramenta de pesquisa começou a ser aplicada ao mundo do entretenimento.
As câmeras de alta velocidade, que agora se tornaram portáteis a ponto de seu uso ser viável em programas de TV e no cinema, capturam alguns dos impactos de bala em CSI, as explosões de Mythbusters ("Caçadores de Mitos") e as acrobacias animais de Earth, um documentário cinematográfico da Disney.
Time Warp se destaca por fazer das câmeras de alta velocidade sua atração principal. Em cada episódio, os anfitriões estabelecem testes científicos e façanhas visuais (registrar como um beija-flor bate as asas; o impacto do soco de um boxeador; o estouro de um balão cheio de água) e estudam os resultados que as câmeras preservam. Isso oferece uma experiência científica palatável aos telespectadores e pode até propiciar descobertas reais. O programa, diz Jeff Lieberman, que o apresenta em companhia de Kearney, exemplifica a maneira pela qual "uma lente diferente de percepção introduz novas informações sobre o mundo".
Harold Edgerton, o aclamado inventor da técnica de registro de imagens em alta velocidade, foi definido pela revista National Geographic como "o homem que conseguiu fazer o tempo parar". Já a equipe de Kearney e Lieberman, em Boston, não só consegue fazer o tempo parar como exibe os resultados a milhões de telespectadores.
Na televisão, os vídeos são exibidos a 30 quadros por segundo, uma velocidade confortável para o olho humano, que combina as imagens estáticas para formar uma figura móvel. A maioria dos programas de TV e filmes caseiros são gravados à mesma velocidade. Mas as câmeras de alta velocidade em Time Warp podem registrar até 325 mil quadros por segundo. (Assistir a esse segundo requereria três horas, se o vídeo fosse exibido à velocidade usual.)
Quando as câmeras trabalham com essa velocidade, é necessária uma iluminação de alta potência, e os operadores precisam ajustar o foco usando luvas de fogão para se proteger contra o calor.
As gravações acontecem em um estúdio/laboratório de dois andares, em um edifício no sul de Boston. Em uma gravação recente, o diretor John Tindall informou a equipe sobre as demonstrações planejadas para o dia e depois gritou para Lieberman: "Cinco mil?" Ele estava se referindo à velocidade da câmera em quadros por segundo para a primeira gravação do dia. "Está bom para começar", disse Lieberman, 31, que está fazendo seu doutorado no MIT.
Cinco mil quadros por segundo se provaram insuficientes para o Schallfaust, uma engenhoca inventada pelo engenheiro Zoz Brooks, produtor científico de Time Warp. O aparelho causa explosões em alta pressão no interior de latas de refrigerante e outros objetos. E as explosões, cujo objetivo era permitir que a pressão fosse visualizada, não pareciam dramáticas o bastante na tela.
"Meio chato", disse Lieberman, depois do primeiro teste.
Depois de diversas tentativas, e com o acréscimo de balões e ursinhos de goma para colorir mais a cena, o pessoal decidiu que a velocidade ideal seria a de 20 mil quadros por segundo. As câmeras gravam em loop constante até que um operador as desative. A depender da velocidade, os 32 gigas de memória RAM da câmera podem registrar de um a dois segundos de imagens.
O programa atrai em média 1,1 milhão de telespectadores e seu objetivo não é produzir ciência real. A equipe não conduz experiências controladas e passíveis de repetição. Mas já realizou observações que considera originais, algumas das quais podem estimular pesquisas reais.
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times