É preciso sonhar grande

Para quase todos os brasileiros, o último 20 de julho não passou de mais um dia comum. É uma pena que seja assim, pois o dia deveria ser reverenciado por todos nós brasileiros como uma das grandes datas da nossa história. Poucos sabem, mas nesse dia comemora-se o aniversário do maior e mais consagrado cientista brasileiro de todos os tempos. Há 130 anos nascia Alberto Santos-Dumont (1873-1932), um mineiro que ousou voar como os pássaros e teve o desplante de realizar seu sonho aos olhos de todo o mundo. Nada de vôos secretos, numa praia deserta da Carolina do Norte, sem documentação imparcial, como fizeram os irmãos Wright. Não. Santos-Dumont "matou a cobra", repetidamente, para o delírio do povo de Paris, que testemunhou a audácia, a coragem e o jeitinho brasileiro de fazer ciência.

Por uma dessas coincidências inexplicáveis, foi num outro 20 de julho, em 1969, que o homem pisou pela primeira vez na Lua. Esse feito épico foi o auge de um processo que começou em 19 de outubro de 1901, quando, a bordo do seu dirigível número 6, Santos-Dumont contornou a torre Eiffel e retornou ao seu ponto de partida, no campo de Saint-Cloud, em menos de 30 minutos. Demonstrava-se assim a possibilidade de controlar o vôo e de impor a vontade humana à máquina. A conexão desses dois eventos está sacramentada na Lua, que teve uma de suas crateras batizada como "Santos-Dumont".

A vida dele oferece uma lição imprescindível a todos nós cientistas brasileiros. História só se faz com ousadia e determinação. E o Brasil precisa de ambas. O exemplo de Santos-Dumont mostra que nós brasileiros também podemos atingir os mais altos níveis de excelência no mundo da ciência. Mas para isso é preciso perder o nosso complexo de inferioridade e deixar para trás a noção de que países como o Brasil podem somente almejar um papel secundário na ciência mundial. Parafraseando as palavras do nosso atual presidente, a ciência brasileira precisa "perder o medo de ser feliz".

"É chegada a hora de reverter o perverso êxodo de cientistas brasileiros para o exterior"

Um primeiro passo nessa direção é tentar evitar que nossas próximas grandes conquistas ocorram somente em terras tão distantes, como os céus de Paris. Para que a ciência brasileira contribua para a construção do nosso país é preciso que os brasileiros sejam testemunhas principais das obras-primas de seus pesquisadores. É chegada a hora de reverter o perverso êxodo de cientistas brasileiros para o exterior, e tentar, de todas as formas, atraí-los de volta ao país. É preciso também transformar o Brasil num importador de cérebros, capaz de atrair cientistas do mundo todo para que, em solo brasileiro, desenvolvam sua arte, sonhem seus sonhos impossíveis e concretizem vôos inesquecíveis.

A sabedoria dessa missão é fácil de ilustrar com o exemplo americano de domínio da produção científica mundial. Não é só a grande disponibilidade de recursos que faz a ciência americana ser o que é. O grande segredo é que os EUA atraem os melhores pesquisadores de todo o mundo para as suas universidades. Do Alasca ao Alabama, todos os estados possuem centros de excelência de produção científica povoados por hindus, chineses, russos, ingleses, alemães e brasileiros que convivem com colegas americanos. Nesse modelo, mérito e talento são as únicas moedas de troca, e quem as possui encontra todas as portas abertas para desenvolver o seu potencial.

Fica aqui a receita. Para resolver seus enormes problemas sociais e econômicos, o Brasil tem também que se transformar num celeiro científico. Para tanto, temos de repatriar os talentos nacionais, atrair cientistas de todo o mundo e disseminar pelo território nacional a cultura da produção científica de excelência. Descentralizar não significa exaurir centros já existentes, mas ampliar a base de produção científica de qualidade. Depois, basta apenas esperar, pois muitos Santos-Dumonts hão de surgir e concretizar seus sonhos sob a luz inesquecível do cruzeiro do sul.

Miguel A.L. Nicolelis é formado pela Faculdade de Medicina da USP e está há 15 anos nos EUA. Ele é professor titular do Departamento de Neurobiologia e do Departamento de Engenharia Biomédica e co-diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke. O pesquisador
está agora captando recursos para
abrir um centro de excelência em neurociência em Natal (RN). Ele encabeça uma campanha pela repatriação de cérebros brasileiros.

 

 

Arquivo de Notícias>> clic

mais noticias... clic

 


e-mail

Copyright© 1996/2003 Netmarket  Internet -  Todos os direitos reservados
Melhor visualizada em 800x600 4.0 IE ou superior

Home