Transplante de rosto, só na ficção
Técnica já existe, mas ainda não é hora
de usá-la,
O anúncio feito por médicos ingleses,
americanos e franceses de que já estavam preparados para
realizar o primeiro transplante de rosto provocou a reação
imediata de uma das mais importantes comunidades médicas da
Inglaterra em meados de novembro.
Uma semana após as declarações, o comitê de
ética do Royal College of Surgeons of England (Colégio Real de
Cirurgiões da Inglaterra) emitiu o primeiro parecer científico
sobre as implicações técnicas e éticas do procedimento:
"a cirurgia é viável, do ponto de vista técnico, mas não
é o momento de realizá-la, já que os riscos físicos e psicológicos
superam os possíveis benefícios".
A discussão sobre o tema começou em 2002,
quando um cirurgião inglês apresentou um estudo sobre a
viabilidade do transplante em animais com a ajuda de novas técnicas
de microcirurgia vascular e de drogas anti-rejeição mais
potentes. Logo se espalharam as especulações sobre a
possibilidade de realizar o primeiro transplante de face em
humanos, o que beneficiaria pessoas que tiveram o rosto
desfigurado por acidentes, queimaduras ou câncer.
Mas as coisas não são tão simples quanto
parecem, segundo o relatório do Royal College. O documento
deixa bem claro que aquele tipo de transformação que acontece
no filme "A Outra Face", de 1997, em que Nicolas Cage
e John Travolta trocam de rosto sem grandes problemas, ainda não
passa mesmo de ficção.
Supondo que não ocorresse rejeição à nova
pele - possibilidade pequena -, o rosto do indivíduo que
recebeu o transplante em nada lembraria o do doador, já que a
responsável pela fisionomia é a estrutura óssea. Também não
voltaria a ser o mesmo, pois além das cicatrizes da operação,
as expressões faciais dificilmente seriam restabelecidas.
Provavelmente o rosto ficaria paralisado, pois
os movimentos dependem da integração entre a pele, os músculos
e os nervos, o que seria difícil de conseguir", explica o
cirurgião plástico Miguel Couto Sabino Neto, professor da
Unifesp, Universidade Federal de São Paulo.
Outra grande barreira é o fato de a pele ser o
órgão que apresenta maior índice de rejeição, o que
implicaria a necessidade de ingerir imunossupressores fortíssimos
que poderiam causar sérios efeitos colaterais, como o
desenvolvimento de diabetes e câncer. O documento destaca ainda
as inúmeras conseqüências psicológicas, como crises de
identidade e problemas de interação social (pois dois terços
de nossa comunicação com outras pessoas ocorrem por meio de
expressões faciais).
Os autores do estudo fizeram questão de
frisar, no entanto, que não são contrários à continuação
das pesquisas que podem levar à viabilidade do procedimento
daqui há alguns anos. "Esses estudos podem resultar em
drogas imunossupressoras mais potentes, que podem ser usadas
também para outros tipos de transplante", concorda Sabino.
(Fernanda Colavitti).
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