LAHORE, Paquistão - Abaladas
com a reputação de serem lugares de atraso e militância, as madrasas do
Paquistão - escolas tradicionais onde o Islã é ensinado
em grande
profundidade - estão ensinando informática e navegação na Web para
conquistar respeito.
Há cerca de 12 mil madrasas
no Paquistão, com mais de 1,5 milhão de alunos matriculados. A maioria deles
é pobre demais para pagar por uma educação moderna e, por isso, entre os 8
e os 15 anos de idade, freqüentam as aulas onde memorizam os versos do Alcorão.
Alunos mais velhos passam por um difícil curso de oito anos onde aprendem a
interpretar o livro sagrado.
Jamia Naimia, em Lahore, é
uma dessas madrasas. Matérias como matemática, Inglês ou Ciências não são
ensinadas aqui. Mas a escola possui um departamento de computação onde os
alunos aprendem a usar aplicativos do Windows, webdesign e Basic. A sala
equipada com 26 PCs, a maioria deles atualizada para Pentium 4 ano passado,
contrasta fortemente com as instalações restantes da escola, onde os alunos
normalmente precisam sentar-se no chão.
Os estudantes parecem gostar
das máquinas. Alguns deles, inclusive, se inspiram com elas. Amjad Sahzad, de
15 anos, diz que quer se tornar engenheiro de software. Seus colegas apontam
aspirações semelhantes. "Temos computadores, não terroristas",
diz o diretor Sarfraz Naeemi. "Qualquer pessoa pode entrar e ver como
nossa escola é por dentro. Não temos nada a esconder".
Mas por que não ensinar
matemática e ciências junto com a alfabetização digital? "Os estudos
islâmicos são, por si mesmos, um assunto vasto. Como os alunos vão
encontrar tempo para o resto? Os computadores são importantes para o seu
futuro. Por isso decidimos ensinar informática, e decidimos isso por conta própria,
e não porque Musharraf nos pediu para mudar", disse Naeemi.
O presidente do Paquistão,
Pervez Musharraf, pressionado pelas preocupações internacionais com o currículo
das madrasas - especialmente na interpretação da palavra "jihad" -
fez um pronunciamento na TV estatal ano passado e pediu que as tradicionais
escolas mudassem. Ele até criou um plano de modernização com um orçamento
de mais de US$ 115 milhões afim de atrair as escolas para que façam mudanças
em seu currículo, tornando-o mais contemporâneo.
"Mas a esmagadora
maioria das madrasa resiste às mudanças", afirma Shahzad Qaiser,
ex-secretário de Educação do Estado de Punjab e servidor público que hoje
trabalha como conselheiro para um grupo que estuda a educação dessas escolas
religiosas. "Os acadêmicos das madrasas acreditam que a influência do
Ocidente irá reduzir seu domínio sobre uma forma de educação que controlam
há séculos", disse. "Além disso, eles não querem dar a entender
que sucumbiram à pressão da América, o país que acreditam estar
influenciando o presidente Musharraf".
O número exato de madrasas
que já incluíram a computação em seus currículos não é conhecido, mas
sabe-se que são a minoria. A maior parte das escolas modernizadas está em
cidades grandes como Lahore, Karachi e Islamabad. "Essas madrasas foram
forçadas pelo governo a mostrar uma aparência de modernidade", diz
Mohammed Riaz Durrani, um acadêmico do Islã. "A polícia tem feito
revistas nas madrasas com o pretexto de procurar militantes. Algumas escolas não
querem ser incomodadas. Por isso, estão seguindo as recomendações de
modernização do governo. E que melhor maneira de fazer isso do que
lecionando informática?"
Tahir Hameed, outro
estudioso, autor de uma tese de doutorado sobre psicologia muçulmana,
discorda. "Antes de mais nada, é errado supor que o ensino de computação
é incompatível com a educação das madrasas", disse. "Essas
escolas estão realmente começando a descobrir a utilidade da educação
tecnológica. Não é uma mudança cosmética".
Embora os alunos, que se
fascinam pela computação e a Internet comecem a sonhar com profissões
modernas, os diretores das escolas destacam que a educação religiosa ainda
será sua prioridade. Em abril, Jamia
Ashrafia, uma madrasa em Lahore com mais de 1,5 mil estudantes (inclusive
meninas), recebeu os primeiros 50 de um total de 150 computadores que pretende
instalar em breve. Esse ano, a escola começará a oferecer disciplinas de
matemática e ciências.
"Não haverá qualquer
prejuízo ao conteúdo da educação islâmica", disse o diretor da
escola, S.M. Rafia. Se fizéssemos mudanças muito drásticas com grande freqüência,
isto seria uma confissão de que algo estava errado, e queremos acreditar que
jamais houve qualquer coisa de errado com nossas escolas".