David Carr
Não muito tempo atrás, alguém me convidou para visitar o Googleplex, o apelido pelo qual é conhecida a sede da empresa, em Mountain View, Califórnia. A verdade é que eu já moro lá, e estou começando a me preocupar. Tendo crescido nos anos imediatamente posteriores à década de 60, aprendi a encarar com cautela as organizações grandes e centralizadas. No entanto, o Google, uma empresa imensa com valor de mercado da ordem de US$ 80 bilhões, parece ter se tornado meu companheiro indispensável.
Meu relacionamento cada vez mais exclusivo com o Google começou pelas buscas, evidentemente, quando troquei o Yahoo pelo seu jovem concorrente, alguns anos atrás. Mais tarde, terminei aceitando um convite para o Gmail, com seu imenso espaço de armazenagem e suas funções de busca muito refinadas, e o programa estranhamente se tornou meu banco de dados pessoal mais freqüente - rico, profundo e muito íntimo.
Terminei por começar a usar o programa de agenda da empresa, porque precisava de um sistema que pudesse compartilhar tanto dentro quanto fora do escritório. E mais tarde, e-mail e agenda começaram a conversar entre si - e comigo, suponho -, e a me perguntar se eu queria anotar na agenda um evento mencionado em uma mensagem. Ainda que isso me apavorasse um pouco, a resposta quase sempre é sim - o que parece acontecer praticamente o tempo todo quando se trata do Google.
O Google começou a expulsar outras marcas do mercado. Eu era usuário leal da MapQuest, mas à medida que o Google Maps acrescenta recursos, começou a parecer complicação demais ir a outro lugar. E mesmo uma ferramenta específica como o HotStop, um software elegante que eu usava para me orientar no metrô de Nova York, ficou para trás à medida que o Google foi aprendendo sobre as diferenças entre a linha N-R e a A-C-E.
Estou me preparando para a temporada do Oscar, de modo que precisava assinar alguns serviços de RSS. O Google Reader estava à mão, e pronto. É fácil atualizar meu status para mensagens instantâneas quando estou usando o Gmail, e por isso tendo a alterar o meu anel de humor com mais freqüência do que mexo no status de minha página do meu Facebook. Quando o Google adquiriu o YouTube, conquistou mais uma porção de minha atenção.
E então, algumas semanas atrás, comecei a perceber uma série de pequenos ícones de câmera na função de chat do Gmail. Procurei saber mais a respeito e vi um botão colorido no alto de minha página de e-mail com um link para recursos de vídeo e voz no chat do Google. Cliquei e, em 20 segundos, tinha baixado tudo de que precisava para usar o serviço.
Não se trata do meu primeiro chat em vídeo, mas foi o primeiro que funcionou realmente bem. Minutos depois do download, eu já estava falando do meu PC com minha filha de 11 anos que usa um Mac, processo que no passado teria envolvido complicações semelhantes à divisão do átomo.
Depois, contei aos meus gêmeos que estão na faculdade e, sim, à minha sogra sobre o recurso, e não demorou para que todos estivéssemos conversando comodamente em um futuro livre de toda fricção. Mais uma vitória para o Googleplex.
Seria possível definir o Google, a empresa que mais vende espaço publicitário no mundo, como um sucesso de marketing e publicidade, mas quando você viu um anúncio sobre o Google, e não servido por ele, pela última vez? Quase nunca. E isso acontece porque a plataforma de web do Google, em toda a sua funcional glória, é a forma de marketing que a empresa pratica.
"A forma mais poderosa de publicidade é ser excepcional", disse Ranjit Mathoda, investidor e tecnólogo que mantém o blog Mathoda.com. "O Google criou um ecossistema que se perpetua ao se manter útil".
Considerem o caso do chat em vídeo. Muitas outras empresas realizariam um imenso avanço como esse e alardeariam a façanha em altas vozes, mas o Google se limitou a um discreto post em um de seus blogs e nada mais. "Temos uma filosofia de que nossos produtos precisam falar por si mesmos", disse Jeff Huber, vice-presidente de engenharia do Google.
Como sempre acontece com a empresa, um dos atrativos é o preço: zero, se você decidir não considerar todos os dados pessoais que está fornecendo à empresa em troca da utilidade que ela propicia. Com o Google, tudo é sempre simples, e qualquer engenheiro dirá que fazer o simples é o mais difícil. Dentro da companhia, houve muitas discussões sobre oferecer o chat em vídeo apenas para usuários do padrão PC, o que teria sido muito mais fácil para o Google, mas teria complicado as coisas para o consumidor.
Se o Google é meu dono, basicamente é porque eu favoreço aquilo que funciona. "Fico feliz ao saber disso", disse Eric Schmidt, o presidente-executivo do Google, que esteve em Nova York. "Queremos um pouquinho do Google em muitas áreas de sua vida".
Missão cumprida, ao menos no computador, mas perguntei a Schmidt se não deveria me preocupar por estar colocando todo os meus ovos na mesma cesta, multicolorida e excêntrica. "Depende do que você pensa sobre nossa empresa e nossos valores", ele disse. "Você acha que temos bons valores?"
Schmidt parece ser um bom sujeito, mas às vezes imagino se um dia me arrependerei da estrada fácil que escolhi: um histórico completo de minha vida online vive nos servidores da empresa por 18 meses, ainda que sem o meu nome, e o Google continua a insistir em que meu endereço de IP não sou eu; no entanto, um governo motivado e armado de intimações encontraria muito de mim, o verdadeiro eu, nos servidores do Google.
Muitos especialistas em privacidade de dados me classificariam como tolo por indexar minha vida de forma tão completa em uma empresa, e diversificação, na maior parte das atividades que empreendemos, é questão de bom senso.
Huber rebate alegando que eu posso ir e vir como preferir. "O bom é que não o forçamos a usar apenas nossos produtos", ele diz. "Nada está amarrado de forma exclusiva, e todo o conteúdo é facilmente exportável. Se você achar que estamos falhando, não gostar de nossos produtos ou pensar que deixamos de inovar, pode sair na hora em que quiser".
Mas com o chat em vídeo do Gmail, qual é a chance de que eu saia? Algumas pessoas se preocupam com a possibilidade de que o Google esteja planejando dominar o mundo. Pelo pecado da competência e pelo da inovação, a empresa silenciosa e eficientemente me cercou. "Nosso modelo de negócios é esse", disse Schmidt.
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times