Europa perde contato com sonda durante missão a Marte

A missão britânica que foi procurar vida em Marte sofreu um retrocesso nesta quinta-feira, quando a Beagle 2, pequena nave enviada ao planeta vermelho, não conseguiu transmitir um sinal de áudio para confirmar que pousou na superfície marciana.

Cientistas disseram que o silêncio não signfica necessariamente que a sonda tenha sido destruída, conforme aconteceu com muitas outras missões a Marte. A Beagle 2 pode ter perdido a janela de comunicação. Os cientistas europeus esperam agora uma segunda oportunidade de contato -o que confirmaria a continuidade da primeira missão totalmente européia ao planeta.

A Beagle 2, do tamanho de um guarda-chuva aberto, deveria ter pousado em Marte nas primeiras horas do dia. Os cientistas esperam que um foguete na órbita de Marte capte os sinais da nave.

O foguete passou pelo ponto potencial de envio do sinal às 04h15 (horário de Brasília), sem ouvir nada da cápsula de 34 quilos. "Estamos frustrados, mas não é o fim do mundo," disse o chefe da missão, Colin Pillinger.

As próximas oportunidades para ouvir o sinal da Beagle 2 serão às 20h e às 22h (de Brasília), quando o telescópio gigante Jodrell Bank, localizado no centro da Inglaterra, estará apontado para Marte.

Também havia frustração na Alemanha, onde dezenas de cientistas monitoram a missão na central da Agêncial Espacial Européia, em Darmstadt, ao sul de Frankfurt.

Nuvens de poeira

A sonda foi lançada pela espaçonave Mars Express na órbita marciana seis dias atrás, após seis meses de viagem. Depois de arremeter pela atmosfera de Marte, a sonda deveria ter descido de pára-quedas e pousado na planície de Isidis, uma região plana e extensa logo ao norte do equador, aparentemente uma bacia sedimentar capaz de preservar traços da presença de água e de vida no passado.

Pillinger disse que a Beagle 2 pode ter sido destruída por nuvens de poeira e tempestades que costumam atingir o planeta, localizado a 100 milhões de quilômetros da Terra.

Mas suas antenas também podem estar apontadas para a direção errada e o foguete não conseguiu captar o sinal -- um ritmo de nove notas composto pelo grupo britânico Blur para o evento.

A Beagle 2 está equipada com instrumentos de ponta para captar e analisar amostras da superfície de Marte em busca de sinais de possibilidade de o planeta sustentar vida.

Marte tem um passado formidável como túmulo de missões pioneiras. Estima-se em duas em cada três missões fracassaram total ou parcialmente.

Os Estados Unidos e a Rússia gastarão bilhões em uma dúzia ou mais de espaçonaves robotizadas que tinham por objetivo pousar no planeta e transmitir as informações que obtivessem lá por rádio de volta aos seus controladores na Terra. Apenas três missões obtiveram sucesso -as duas sondas Viking, lançadas em 1976, e a Mars Pathfinder, de 1997, todas elas norte-americanas.

Antes de mandar o sinal a Beagle 2 teria que sobreviver a uma noite fria. A temperatura no planeta varia de 0 a 90 graus centígrados negativos, colocando em teste seus instrumentos eletrônicos.

Projeto barato

O projeto da sonda britânica para Marte teve sua origem em 1997, quando a Agência Espacial Européia anunciou uma missão de exploração conhecida como Mars Express, o primeiro esforço europeu de exploração do planeta. Pillinger pressionou a organização pela inclusão de uma sonda. Mas as verbas eram escassas. Ele e a Universidade Aberta, bem como os parceiros que se envolveram no esforço, receberam aprovação para levar adiante o projeto, embora tivessem de cuidar sozinhos da obtenção da maior parte das verbas.

Em entrevista, Pillinger se recusou a revelar quem doou dinheiro para o projeto da sonda de Marte, ou o orçamento total da missão, estimado publicamente em cerca de US$ 60 milhões -uma quantia magra, diante dos padrões de gastos usualmente encontrados na exploração espacial. As novas sondas da Nasa e seus veículos terrestres robotizadas custarão, cada uma, US$ 400 milhões, incluindo os custos de lançamento e operação.

A principal empreiteira envolvida na construção do Beagle 2 é a Astrium, um conglomerado europeu com grande experiência em satélites mas nenhuma em sondas planetárias. Devido ao pequeno tamanho, baixo peso e orçamento modesto do projeto Beagle 2, a empresa se viu forçada a inovar.

"Nós reescrevemos as regras", diz Jim Clemmet, da Astrium, engenheiro-chefe do projeto Beagle. Por exemplo, os projetistas abandonaram os revestimentos metálicos que protegem as placas de circuitos a bordo de uma espaçonave. "Nós nos perguntamos para que de fato elas serviam, e decidimos descartá-las", relembra. "Assim, não há revestimento, apenas os circuitos. Economizamos alguns gramas assim. Não é muito, mas cada corte de peso conta".

No ano passado, a luta por reduzir o peso do aparelho gerou uma crise. O pára-quedas cujo objetivo era atenuar a descida do Beagle 2 rumo à superfície de Marte era tão pequeno que o aparelho terminou pousando rápido demais e, nos testes, os air bags com que ela está equipada para amortecer quedas explodiram ao contato com o chão.

Por volta de outubro, um novo pára-quedas estava pronto. O peso não tinha mudado. Mas suas dimensões maiores reduziram a velocidade de pouso do aparelho de 75 para 40 quilômetros por hora, relembra Pillinger. E não houve mais explosões.

A Beagle 2 tem formato semelhante ao de um relógio de bolso. Quando sua "tampa" se abre, dela se estendem quatro grandes painéis solares cuja função é carregar as baterias do aparelho. A metade inferior da sonda transporta a maior parte do equipamento e contará com um braço robotizado repleto de ferramentas e sensores.

Câmeras estereográficas no topo do braço robotizado realizarão fotos panorâmicas do local de pouso, ajudando os cientistas na Terra a decidir onde cortar, escavar e explorar. O braço então pode se aproximar de uma rocha considerada adequada e usar um triturador para remover sua superfície desgastada, eliminando a espécie de véu empoeirado que os cientistas britânicos dizem ter prejudicado as investigações da Mars Pathfinder.

O braço robotizado da Beagle tem muitas maneiras de estudar a rocha, depois da remoção de seu revestimento. Com o microscópio, pode aproximar detalhes, procurando por objetos pequenos como bactérias, e observando seus possíveis movimentos.

Em termos mais amplos, a sonda pode usar um espectrômetro Mossbauer para bombardear a rocha exposta com raios gamas e medir o retorno, o que indica a composição do mineral. Além disso, um espectrômetro de raios-X também pode bombardear a área cortada, e medir os raios emitidos, revelando os elementos presentes.

Testes desse tipo podem ajudar a distinguir a origem das rochas, digamos, se vulcânicas ou sedimentares, e a probabilidade de que contenham carbono.

Por fim, depois da escolha de uma rocha apropriada, uma ferramenta no extremo do braço pode realizar perfurações de até quatro milímetros, e remover amostras do pó de rocha.

As principais experiências para detectar vida serão realizadas em aparelhos situados no interior do Beagle 2. Lá, o braço robotizado posicionará a amostra de rocha em um analisador de gases, dotado de 12 fornos. Qualquer dióxido de carbono gerado pelo calor será encaminhado a um espectrômetro de massa, que pode medir a proporção de carbono 12 e carbono 13.

Na Terra, todas as coisas vivas favorecem o isótopo mais leve do carbono, o carbono 12, de preferência ao mais pesado, o carbono 13. A esperança é que quaisquer marcianos, vivos ou mortos, exibam preferência semelhante, e que o Beagle 2 possa localizar esse traço revelador de vida.

"Seria um forte indício, mas não uma prova", diz Heinrich Holland, geoquímico da Universidade Harvard. "Seria muito intrigante. Todo mundo ficará muito interessado caso a sonda localize alguma coisa".

Outra maneira pela qual o Beagle 2 poderia localizar espécimes para o teste de isótopos seria com seu mecanismo de coleta de amostras, conhecido como "toupeira". O aparelho também é acionado com base no braço robotizado, e pode ser direcionado a cavar horizontalmente (sob um rochedo, por exemplo, onde qualquer forma de vida estaria protegida da severidade da atmosfera) ou verticalmente, solo abaixo.

Uma mola repetidamente comprimida propele o avanço da "toupeira". Depois que uma cavidade especial no aparelho se enche com o material de amostra, um guincho no braço robotizado o recolhe e permite que a amostra seja analisada.

Lutz Richter, do Instituto de Simulação Espacial, em Colônia, Alemanha, que desenvolveu a "toupeira", diz que o aparelho pode cavar progressivamente mais fundo. A primeira amostra viria de uma profundidade de cerca de 10 centímetros, e a última de uma profundidade de cerca de 1,5 metro.

Robô farejador

A Beagle 2 também procurará vida farejando a atmosfera marciana. Na Terra, muitas bactérias associadas a pântanos de turfa, plantações de arroz e animais ruminantes produzem metano como subproduto de seu metabolismo. Em Marte, dizem os cientistas, o metano terá vida muito curta devido à atmosfera destrutiva. Assim, caso seja detectado sua presença provavelmente indicará uma fonte regularmente reabastecida.

Dentro do Beagle 2, o espectrômetro de massa, capaz de identificar compostos medindo até onde os campos magnéticos se desviam suas massas, examinará a atmosfera de Marte à procura de metano. O gás consiste de um átomo de carbono e quatro de hidrogênio, o que lhe fornece uma assinatura única.

Os métodos da sonda britânica para procurar vida diferem bastante dos adotados pela Viking, que eram mais diretos mas ainda assim renderam resultados frustrantemente ambíguos.

Por exemplo, uma experiência da Viking acrescentava água e nutrientes ao solo marciano. Se o solo contivesse microorganismos, arrazoavam os criadores da experiência, eles consumiriam os nutrientes e emitiram gases. O teste rapidamente gerou oxigênio. Mas a maioria dos analistas concluiu que o resultado era mais explicado pelos oxidantes na terra úmida do que pela presença de vida.

A falta de indícios, diz Pillinger, citando um ditado, não é um indício de falta. Assim, se o Beagle 2 localizar vida, isso não quer dizer de maneira alguma que o planeta seja inabitado.

"Queremos continuar tentando", diz Pillinger. "Nenhum cientista vai dizer que esse é o fim da linha".

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