Pode-se fazer quase qualquer coisa na internet, hoje em dia. Mas e quanto a conseguir uma boa noite de sono? Talvez seja possível, dizem alguns pesquisadores. Proliferam os programas online de tratamento de insônia, e dois estudos pequenos mas rigorosos sugerem que aplicativos online que usam terapia comportamental cognitiva podem propiciar sucesso.
"Há 15 anos, as pessoas achariam loucura a ideia de terapia remota", diz Bruce Wampold, professor de psicologia terapêutica na Universidade de Wisconsin. "Mas já que fazemos cada vez mais coisas eletrônicas, entre as quais manter relacionamentos sociais, alguns terapeutas acreditam que essa possa ser uma maneira efetiva de prestar serviços a algumas pessoas".
O primeiro estudo controlado de um programa remoto de tratamento de insônia foi publicado em 2004. Mas os resultados indicavam benefícios semelhantes para os usuários do método e o grupo de controle. Os dois novos estudos, conduzidos por pesquisadores na Virgínia e no Canadá, oferecem provas de que programas como esses podem funcionar.
O estudo da Virgínia, chamado SHUTi, envolvia a manutenção de diários de sono pelos participantes; o programa calculava o horário a cada dia em que eles estavam autorizados a dormir. Os pacientes limitavam o tempo passado na cama às horas efetivas de sono.
O objetivo é consolidar o sono e depois gradualmente prolongá-lo - a mesma técnica que seria usada em terapia face a face, disse Lee Ritterband, psicólogo da Universidade da Virgínia que desenvolveu o programa.
Stella Parolisi, 65, enfermeira na Virgínia e participante do estudo, diz que respeitar a norma de controle era difícil mas "no final começou a dar resultado". "Antes, se eu estivesse exausta, tentava ir dormir cada vez mais cedo, o que é a solução errada", ela disse. "Só me fazia me debater mais sem conseguir dormir".
Mas depois de passar pelo programa ela conseguiu a conseguir pelo menos quatro horas de sono ininterrupto a cada noite. O programa SHUTi, que dura nove semanas, aconselha os pacientes a se levantarem caso acordem e não voltem a dormir em 15 minutos. Também usa leituras, vinhetas, animações e exercícios interativos para ajudar os participantes a lidar com fatores que interferem no sono.
Por exemplo, o programa ajuda os pacientes a administrar pensamentos ansiosos, como a ideia de que não podem funcionar sem oito horas sólidas de sono. Também reforça a mensagem de que não devem trabalhar ou assistir TV na cama, devem limitar as luzes do quarto e evitar o uso de estimulantes como a cafeína no final do dia.
Em um estudo aleatório e com grupo de controle envolvendo 45 adultos, os participantes que usaram o programa online reportaram mais eficiência no sono e menos tempo acordados a cada noite do que o grupo de controle.
Em termos específicos, a eficiência no sono dos pacientes, que mede a relação entre o tempo de sono e o tempo passado na cama, melhorou em 16%, e os períodos despertos durante a noite caíram em 55%; no caso do grupo de controle os indicadores não se alteraram. As constatações foram publicadas no mês passado pela revista Archives of General Psychiatry.
"O resultado parece muito impressionante, quase inacreditável", diz Jack Edinger, psicólogo do centro médico da Universidade Duke. O estudo canadense testou um programa de cinco semanas que também enfatizava a restrição de sono, o controle de pensamentos negativos e evitar estímulos como luz e som no quarto, além de incluir leituras e clipes de áudio e vídeo que ensinam e reforçam as mensagens do sistema.
Conduzido por Norah Vincent, psicóloga da Universidade de Manitoba, o estudo incluía 118 adultos distribuídos aleatoriamente entre o programa e o grupo de controle.
"Gostei da ideia de fazer o programa via internet", diz Kelly Lawrence, 51, de Winnipeg, uma das participantes. "Porque quando você não dorme, não quer ir a consultas. Não é muito seguro sair à rua".
O formato online tornava mais fácil conduzir o programa de maneira que não interferisse no cuidado dos filhos e outros deveres, "e permitia interromper o programa e retomar outra atividade sempre que eu precisasse", ela diz.
Dos participantes, 35% descreveram sua insônia como "muito menor", ante apenas 4% no grupo de controle. As constatações foram publicadas na edição de junho da revista Sleep.
Ritterband diz que planeja oferecer o programa contra insônia via internet a todos os interessados, mas não antes de novos estudos. Vincent também anunciou que pretendia comercializar seu programa, cobrando de US$ 20 a US$ 30 por participante.
A terapia comportamental cognitiva não está disponível para muitos insones, por eles não terem acesso a um terapeuta treinado ou porque suas agendas dificultam manter os horários.
"Os especialistas em sono reconhece que, se alguém com insônia procurasse um profissional hoje, não poderíamos ajudar de imediato", diz Lawrence Epstein, professor na escola de medicina da Universidade Harvard e diretor do Sleep HealthCenters, em Boston.
Mas Wampold diz, ainda assim, que algumas pessoas serão céticas quanto a terapia online. Os terapeutas que tendem a considerar "o envolvimento pessoal entre paciente e profissional um elemento chave de motivação e mudança provavelmente suspeitarão", ele afirmou.
Para muitos insones, disse, "os distúrbios de sono são na verdade indicadores de outros problemas que requerem tratamento". "E não se pode fazê-lo", afirma, "sem flexibilidade e contato clínico pessoal".
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times