Médico "receita" meio litro de café por dia

GABRIELA SCHEINBERG
free-lance para a Folha


Não confunda cafeína com café. A bebida contém apenas 1% dessa substância. Em tão pequena quantidade, a cafeína é, injustamente, responsável pela má fama do café, ainda compartilhada por muitos. Segundo o médico Darcy Roberto Lima, o café pode fazer bem à saúde. "Os problemas do café só ocorrem quando ele é consumido em excesso. Quando consumido de forma moderada, ele não provoca nenhum malefício", diz.

Especializado em clínica médica e em história da medicina, Lima leciona na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O interesse pela história fez com que ele começasse a estudar o café em 1984. De lá para cá, Lima se tornou um dos maiores especialistas no assunto.

O Brasil é maior produtor de café do mundo e o segundo maior consumidor da bebida: 13 milhões de sacas de 60 kg são consumidas anualmente. E o hábito está cada vez mais popular, como prova o número de cafeterias no país, que pulou de 600 para 1.500 nos últimos cinco anos. Leia a entrevista com o médico.

Folha - Quais são os benefícios comprovados do café?
Darcy Roberto Lima -
Pesquisas mostram que o café tem outros compostos bioativos além da cafeína. Contém vitamina B-3, que é a niacina, minerais, principalmente o potássio -em maior quantidade que a água mineral- e ácidos clorogênicos. Esses ácidos são um grupo novo de compostos encontrado em maior quantidade na bebida. Quando o café é torrado, formam-se substâncias chamadas quinídeos, que têm a mesma ação dos remédios usados para tratar o alcoolismo: fazem com que a pessoa perca a vontade de beber, bloqueando o desejo de autogratificação.

Estudos epidemiológicos mostram também que quem toma café tem menor incidência de depressão, suicídio, alcoolismo e cirrose. Eu atribuo esse efeito aos quinídeos. Além de gerarem os quinídeos, os ácidos clorogênicos têm ação antioxidante. E se estuda muito a ação dos antioxidantes na prevenção do câncer. Outros estudos indicam que o café previne câncer de cólon devido à ação antioxidante. Não sabemos por que só existe essa correlação com o câncer de cólon. Isso precisa ser estudado. Cada tipo de câncer tem uma fisiopatologia. É preciso estudar se cada tipo de câncer têm uma relação com o café. Essas pesquisas estão em andamento.

Folha - Qual é o consumo adequado de café para que a bebida favoreça a saúde?
Lima -
Quatro xícaras grandes de 150 ml por dia para adultos. Uma de manhã, uma no meio da manhã, uma no começo da tarde e outra no fim da tarde. Cada xícara grande equivale a duas xícaras pequenas. O ideal é ingerir meio litro de café por dia.

Folha - O que é considerado um consumo exagerado?
Lima -
Beber mais de seis xícaras por dia pode acelerar o coração, causar nervosismo, intolerância gástrica e azia. O café não causa doença, ele apenas agrava a doença em pessoas que já têm aquele problema. A cafeína é um estimulante cardíaco. Quem já tem problemas cardíacos pode ter palpitação, arritmia... É como colocar sal demais na comida. O sal não causa a doença, mas agrava a condição de pessoas com pressão alta, por exemplo.

Folha - Por que tantas pessoas ainda acreditam que o café faz mal à saúde?
Lima -
Por causa da cafeína. Ela foi a primeira substância do café a ser descoberta, em 1920. Achou-se que o café era só cafeína, pois os demais componentes só foram descobertos muitos anos depois. A cafeína foi muito pesquisada, e a ciência começou a descobrir os efeitos maléficos do excesso da cafeína. Em pouco tempo a cafeína passou a ser classificada como psicotrópica, como a nicotina, a cocaína e a heroína. O café tem 1% de cafeína, 9% de ácidos clorogênicos, 1% de niacina, 3% de mineral. Refrigerantes e chás também têm cafeína. Criança toma quase 1 l de refrigerante, mas não pode nem chegar perto de café.

Folha - Mas criança pode tomar café?
Lima -
Pode. O café com leite é muito saudável. É um alimento -leite- e um medicamento -café. Não há crianças que tomam refrigerante todos os dias? Ou chá? E ninguém diz nada. Claro que o consumo não é igual ao do adulto. Deve ser a metade.

Folha - Muitos fumantes associam o café ao cigarro. Por ser benéfico à saúde, o café pode neutralizar os efeitos do cigarro?
Lima -
Não. Mas uma pessoa que toma mais café diminui o número de cigarros que fuma. Ela perde o desejo de fumar devido aos ácidos clorogênicos.

Folha - Mesmo tendo apenas 1% de cafeína, o café pode viciar?
Lima -
Não. O café é um hábito saudável como o exercício. Se o exercício é abandonado, a pessoa se sente mal, indisposta, engorda, e sua resistência cardiovascular diminui. Se a pessoa pára de tomar café, ela pode ter enxaqueca ou depressão, por exemplo.

Folha - Se o café só apresenta benefícios, seria o caso de indicar seu consumo da mesma forma que se indica a atividade física, porque faz bem para a saúde?
Lima -
As pessoas deveriam tomar café porque ele pode fazer bem. Não é que faz bem. Pode fazer bem. É como os exercícios. Uma pessoa pode fazer e passar mal, ter dores ou crise de asma. Outras fazem exercícios e se sentem muito bem. É igual com o café --e com a vantagem de ser um produto natural.  
 

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