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Filhos da rede
Namoro virtual pode dar certo. A prova está nas crianças
Camilo Vannuchi e Chico Silva
Em vez de boneca, um mouse. Por pouco, um cabo
de conexão não roubou o lugar do cordão umbilical. É cada vez mais populosa
a nova geração de crianças nascidas após centenas de mensagens trocadas em
salas de bate-papo e sites de encontros na internet. Namoro virtual também pode
gerar herdeiros! Desde que a rede se transformou em um celeiro de
relacionamentos, roubando dos bares e das festas a preferência dos solteiros,
é impossível controlar a proliferação dos bebês cibernéticos. Do chat para
mensagens pessoais e delas para o telefone, o primeiro encontro e a maternidade,
o processo pode demorar menos de um ano. E não há mentira que sirva de obstáculo.
“Se o internauta estiver interessado em transformar o bate-papo virtual em
encontro real, será sincero para evitar dissabores quando estiver frente a
frente com sua parceira. Vai exagerar nas qualidades e omitir os defeitos, mas
isso também acontece nos relacionamentos convencionais”, diz a pedagoga
carioca Deise Gê, autora do livro Love online (editora Nobel). Após
entrevistar 1,5 mil usuários de chats, Deise prepara seu próximo lançamento, Impressões
digitais, com relatos apimentados sobre fantasias e fetiches.
As primeiras crianças virtuais brasileiras
nasceram em 1999, ano do boom da internet. Hoje, os pioneiros chegam a ter cinco
anos de idade. “Essa geração está em sintonia com a era da tecnologia
digital. Sua gênese está ligada a uma revolução nos costumes sem
precedente”, exalta Deise. Ela acredita que, em alguns anos, encontrar o
marido ou a esposa em um chat será tão comum quanto parece, hoje, engatar um
namoro na praia ou nos corredores da faculdade. O analista de suporte em informática
Cristiano Pavin, 27 anos, pai da pequena Beatriz, concorda com a pedagoga.
“Daqui a algum tempo, será tão normal encontrar o namorado na rede que minha
filha não vai achar estranho. Mas vou contar tudo sobre nossas conversas na
internet”, diz Pavin. Prestes a completar três anos, a menina é o resultado
de pelo menos dois meses de bate-papo online entre Pavin e Fabiana, 29. Os dois
se cruzaram em um chat com o sugestivo nome de Namoro ao ar livre e,
quando se conheceram de verdade, a surpresa foi tão boa que Pavin encerrou suas
abordagens virtuais. “Naquela época, eu também teclava com outras garotas.
Mas a Fabiana me conquistou e logo nossos e-mails já eram especiais”, conta.
Fabiana confirma. “Qualquer oportunidade que eu tinha abria a caixa para ver
se ele havia escrito. Quando nos encontramos, eu já gostava dele”, diz.
A maior vantagem do relacionamento online é a
possibilidade de se conhecer o íntimo do parceiro antes do físico. Os motivos
para apreensão mudam de figura. Se em uma abordagem convencional o desejo à
primeira vista pode ruir na conversa, o perigo do namoro virtual é seguir o
caminho inverso: o amor despertado pela conversa pode ser abalado pela aparência.
Por isso, é importante se certificar da sinceridade do candidato e trocar fotos
antes de partir para o cara a cara.
Alguns endereços eletrônicos que funcionam
como locais de encontro cumprem parte dessa checagem ao exigir o preenchimento
de um cadastro com dados pessoais. “Nós temos um programa que faz toda a
triagem. O interessado só irá teclar com quem tiver afinidade. Só irá dar
errado se não rolar aquela química”, diz Miriam Bobroh, 45 anos, sócia do Comovai,
um site de relacionamento responsável por mais de 10 mil namoros e 200
casamentos. Cliente de Miriam, a enfermeira paulistana Sandra Celidônia da
Silva, 42 anos, se encantou com o currículo eletrônico do corretor de vendas
Edson Ribeiro, 44, saído de um casamento de oito anos. Foi amor à primeira
teclada. “É difícil imaginar um sentimento via computador. Mas é possível
e nós somos a prova”, diz ele. O casal está junto há mais de três anos.
Edson reverteu uma vasectomia e deixou o caminho livre para o nascimento de
Edson Júnior, de um ano e oito meses.
Após o primeiro encontro, somem as diferenças
entre um casal que se conheceu na net e outro qualquer. O casamento não é
virtual, nem a família. O que deixa uma marca duradoura é a confiança nas
informações previamente trocadas e uma maior facilidade de convivência. “Um
namoro que surge na internet começa em um estágio diferente. Ao se
encontrarem, os parceiros são velhos conhecidos. Não perdem tempo descobrindo
gostos e interesses”, diz a psicóloga Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa
de Psicologia em Informática da PUC-SP.
Se afinidade é fundamental, proximidade geográfica
também conta
ponto. Se tivesse permanecido em Florianópolis, o bancário catarinense Alex Sílvio
de Oliveira, 40 anos, não estaria casado com a técnica
em enfermagem Marilene Araújo Silva, 30. “Mudei para Brasília há três anos
por questões profissionais e me senti muito deslocado. Comecei
a frequentar a internet em busca de amizades ou, quem sabe, de uma namorada”,
lembra ele. Depois de um casamento frustrado, a brasiliense Marilene também se
sentia deslocada. Seus amigos eram quase todos
da turma do ex-marido. “Depois de me corresponder por algum tempo, fiquei à
vontade para aceitar um convite do Alex para ir ao cinema.
Na semana passada, Marilene deu à luz Thaysa, mais uma filha real
com um pezinho na rede.
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